Resistência
diante da ameaça constante de extermínio
Douglas Krenak, líder na luta pelos povos indígenas, toca
flauta durante a exibição do documentário na PGR,
em 05/10/2016.
Foto: Antonio Augusto
Em
meados de 2014, o Ministério Público Federal coletou material para investigar a
violência histórica contra o povo Krenak, oriundo da região leste de Minas
Gerais. O objetivo era fornecer dados aos estudos da 6ª Câmara de Coordenação e
Revisão do MPF, responsável pela temática dos povos indígenas e tradicionais.
As informações também serviram como base para o documentário Guerra Sem
Fim – Resistência e Luta do Povo Krenak, produzido pela Unnova e lançado em
agosto, na Semana da Verdade 2016. Depois de exibido na programação da Virada
Sustentável, o filme foi disponibilizado no Youtube.
Durante
quase trinta minutos, o espectador acompanha os momentos cruciais em que o povo
Krenak sofreu com a violência de grupos opressores. Desde a chegada dos
portugueses ao País, eles foram afastados de seu território e submetidos a atos
civilizatórios, tendo de fugir das ações colonizadoras que seguiam a doutrina
da “guerra justa”.
Já na
altura dos anos 1910, quando criado o SPILTN (Serviço de Proteção aos Índios e
Localização dos Trabalhadores Nacionais), os Krenak foram alertados a deixarem
suas terras na região de Resplendor, Minas Gerais, de modo a abrir espaço para
a estrada de ferro Vitória-Minas. O gesto, aparentemente de proteção, na
verdade escondia a intenção de facilitar a tomada das terras por fazendeiros.
É neste
momento que os Krenak começam a ser alocados em aldeias e em postos indígenas,
por conta de ataques de fazendeiros à tribo, principalmente após o Massacre de
Kuparaque, em 1923. “Hoje a aldeia é vista por muitas pessoas como um lugar
onde os índios ficam, né? Mas a aldeia, na verdade, é uma represália criada
pelo não-indígena para nós, porque para índio não tem cerca”, aponta Douglas
Krenak, representante de seu povo na luta dos povos indígenas com o governo, na
primeira parte do documentário.
Vendo
que a resistência do grupo não era fácil de ser controlada e para acomodar
melhor os fazendeiros, o SPILTN removeu-os do posto indígena Guido Malière e
levou-os para os arredores de Água Formosa em 1953. O local era habitado pelos
Maxacali, que viram a situação com muito estranhamento. Afinal, um povo
diferente estava sendo forçado a fazer moradia em seu território. Na medida em
que iam sendo levados de um lugar para o outro, os Krenak tinham de aprender a
manter sua cultura, reinventando-a muitas vezes para que não fosse diluída pelo
choque sofrido no processo que, mais para frente, foi batizado de
“multiterritorialidade”.
Só em
1959 voltaram – a pé – para o local de origem, onde hoje fica o município de
Resplendor, e encontram suas terras completamente tomadas por fazendeiros e
pela Polícia Florestal. Mais de dez anos depois, no auge da ditadura
militar, o governo Médici percebeu a dificuldade de seus soldados em controlar
aquele povo e determinou que os próprios índios fossem militarizados,
provocando a descaracterização da etnia e, em última instância, o começo de seu
extermínio. Assim surgiu a GRIN (Guarda Rural Indígena), tendo Manoel dos
Santos Pinheiro como nome principal – citado no documentário como o
“temido Capitão Pinheiro”.
Era mais
fácil que militares colocassem indígenas para reprimirem seus iguais, em um
processo de “policiamento ostensivo das terras”. Aqueles que cometessem algum
tipo de irregularidade – como vadiagem, relações sexuais ilegítimas e roubos,
entre outros delitos – eram levados para o Reformatório Agrícola Krenak,
chefiado por Oscar Geronymo Bandeira de Mello. Ao menos 15 etnias diferentes
foram levadas ao presídio, segundo informações do documentário. O local era, na
verdade, um presídio onde ocorreram torturas e execuções, além de desaparecimentos.
O governo tratava disso como forma de levar cidadania aos povos nativos,
tentando “integrá-los à sociedade”, o que não difere das práticas de
“civilização forçada” feitas no Brasil colonial – sempre visando os interesses
hegemônicos de quem esteve no poder.
Uma ação
de reintegração de posse, de 1971, devolveria as terras tomadas pelos
fazendeiros aos Krenak. Tal situação gerou revolta entre os poderosos locais,
resultando num processo de perseguição àquele povo indígena. Nesse contexto, o
capitão Pinheiro negociou a troca das terras em Resplendor pela Fazenda
Guarani, outro local militarizado pelo governo, desterritorializando os Krenak
outra vez. Para lá foram levados outros grupos, como os baianos Pataxós, o que
irritou os mineiros, fazendo com que se dispersassem para locais aleatórios em
São Paulo, Espírito Santo e Minas Gerais.
A 6ª
Câmara de Coordenação e Revisão investiga todos esses abusos. Em 2015, houve um
pedido de anistia aos Krenak, culminando em pedidos de remarcação e proteção de
terras, reparação de danos e promoção de sua cultura. No final de 2014, a
Comissão Nacional da Verdade estimou, em relatório, que ao menos oito mil
índios foram vítimas da violência do regime militar.
O
desastre ambiental causado pelo rompimento de barragens da Samarco, em 2015,
foi o último caso de agressão aos Krenak que se tem notícia. Centenas de
membros da etnia sentaram na estrada de ferro Vitória-Minas para protestar e
chorar o prejuízo causado na região de Mariana (MG) e no Rio Doce, considerado
sagrado por eles.
Bienal
de Cinema Indígena
Entre os dias 7 e 12 deste mês foi realizado o Aldeia
SP, conhecido como a “bienal do cinema indígena”. Idealizado por Ailton Krenak,
trouxe produções cinematográficas feitas por diversos povos indígenas. As
exibições se deram no Centro Cultural São Paulo e em cinco unidades do CEU, em
parceria com a SPCine.
Os
filmes vieram de múltiplas regiões do Brasil, contemplando uma variedade de
etnias também nos bate-papos, entre elas os Guarani, os Huni Kuin, os Takuá e
os Pankararu. A pauta principal do evento esteve ligada às questões das
mulheres indígenas, valorizando o trabalho de diretoras e produtoras. Ao todo,
foram exibidos 53 filmes.