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quarta-feira, 15 de abril de 2020

Desenvolver sem Desmatar (DW)


Amazônia
Desenvolver a Economia sem Desmatar (DW)

Autor de livro sobre práticas sustentáveis na Amazônia explica por que associar desenvolvimento econômico ao desmatamento é uma falácia e indica novos caminhos para gerar riqueza sem destruir.

Árvores verdes. Ricardo Abramovay propõe formas de conservar a mata e ao mesmo tempo gerar crescimento econômico.

Quem defende o desmatamento de áreas na Amazônia costuma dizer que ele é necessário para levar progresso à região e desenvolvê-la economicamente. Essa foi uma das teses do regime militar para o bioma e segue presente em setores do Governo Federal e em parte dos empresários do agronegócio. Sob essa lógica, manter a floresta reduz a possibilidade de um país carente, como o Brasil, gerar riqueza.
O conflito entre preservar a floresta e desenvolver a região, porém, é uma ideia errada e fora de lugar, afirma Ricardo Abramovay, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP). Ele lançou em outubro o livro “Amazônia: por uma economia do conhecimento da natureza”, em que analisa e propõe formas de conservar a mata e gerar crescimento econômico ao mesmo tempo.

Como desenvolver a região da Amazônia sem desmatar?
Primeiro, é necessário corrigir os rumos do que já se faz. Os produtores de soja devem reiterar o compromisso da Moratória da Soja e respeitar a regra de que não se compra soja de terras recentemente desmatadas. A pecuária precisa se tornar racional e sustentável.
Hoje, a pecuária na Amazônia é em grande parte de baixíssima produtividade. E interromper as atividades ilegais ligadas ao garimpo e à exploração clandestina de madeira. Essas são as premissas, não adianta sonhar com outra coisa se não conseguimos nem um mínimo de organização empresarial civilizada em torno daquilo que já existe.

E como ir além disso para gerar mais riqueza na região?
A verdadeira alternativa é a economia da floresta em pé, em substituição à economia da destruição da natureza que predomina hoje. Essa economia do conhecimento da natureza é composta de elementos que já existem de maneira precária ou que ainda não existem, mas são potenciais.
Os que existem de maneira precária e precisam ser desenvolvidos referem-se às cadeias de valor baseadas em produtos da floresta em pé. O açaí é o exemplo mais emblemático, o rendimento de um hectare de açaí é muito superior ao de um hectare de soja [R$ 26,8 mil para o açaí e R$ 2,8 mil para a soja por ano em 2015].

Foto de Ricardo Abramovay. "A verdadeira alternativa é a economia da floresta em pé", Ricardo Abramovay.

Há outras cadeias de valor relativamente existentes, como castanha do Pará, borracha e piscicultura, mas exploradas em condições muito precárias. A piscicultura de peixes de água doce em cativeiro na Amazônia tem a vantagem sobre as formas mais conhecidas de piscicultura em cativeiro, como o salmão. Os peixes da Amazônia criados em água doce não são carnívoros, logo o impacto ambiental é mais baixo.
Além disso, o turismo ecológico no mundo cresce 15% ao ano, e na Amazônia ele tem um potencial de crescimento imenso. E você tem também todo um potencial de moléculas da biodiversidade para a produção de fármacos. O Brasil vive o paradoxo de ser o país com a maior diversidade do mundo e ter uma indústria farmacêutica concentrada na produção de genéricos, pouco voltada a inovações para as principais moléstias do século 21. É outro potencial para a valorização da floresta em pé que não estamos aproveitando.

Qual a relação entre desmatamento e crescimento econômico?
Quando o Brasil se destacou pelo combate vigoroso ao desmatamento, reduzido em 80% na Amazônia entre 2004 e 2012, ao mesmo tempo a produção agropecuária da região aumentou devido à tecnologia avançada aplicada nas áreas de produção de soja, sobretudo em Mato Grosso.
Se o desmatamento avança, quais são seus protagonistas? Às vezes dizem que quem desmata são os pobres que não têm alternativa de vida, mas não é assim. Desmatar é caro, exige investimento, máquinas, contratar trabalhadores. O desmatamento hoje é feito por grupos organizados, que, diante da mensagem de que a suposta indústria de multas não vai parar  suas atividades, se organizam na expectativa de terem legalizados direitos que não lhes foram reconhecidos sobre terras públicas. Essa é uma explicação importante para a explosão do desmatamento em 2019.
É claro que no desmatamento a economia cresce de alguma forma, você vende madeira, têm exploração de garimpo, mas é um crescimento baseado em ilegalidade e muito menor do que quando você tem condições legais para exercer as atividades econômicas. Um ambiente institucional que coíba o desmatamento ilegal é um ambiente em que investidores responsáveis poderão agir.

Que políticas públicas o Estado brasileiro deve desenvolver para incentivar a economia da floresta em pé?
A primeira é uma sinalização clara de que haverá fiscalização e que não será tolerada a permanência de atividades ilegais. É importante mudar a narrativa do governo federal, porque ela forma uma cultura empresarial. E a narrativa do governo hoje é que, se a Amazônia não for desmatada, os 25 milhões de pessoas que moram lá vão morrer de fome. Uma narrativa perniciosa que estimula os atores locais a adotarem as piores práticas.

Amazônia brasileira: uma história de destruição. Assistir ao vídeo 02:59.

Também é preciso valorizar o trabalho feito por organizações não governamentais, que junto com as populações tradicionais na floresta são os atores dessa economia do conhecimento da natureza. E apoiar a junção entre comunidade científica, organizações não governamentais e empresários voltados à exploração sustentável da floresta. Hoje existem algumas iniciativas fazendo isso, como o Centro de Empreendedorismo da Amazônia, mas sem qualquer tipo de apoio ou sequer entusiasmo governamental.
E também apoiar o multilateralismo democrático, destruído por razões ideológicas pelo atual governo. O Fundo Amazônia era uma das expressões mais emblemáticas da cooperação entre três países democráticos, Noruega, Alemanha e Brasil, para enfrentar o desmatamento.

Qual é o formato para estimular a inovação na exploração sustentável da floresta?
Uma proposta, do Carlos Nobre e do Ismael Nobre, são os laboratórios de inovação da Amazônia, para descentralizar o processo de inovação e multiplicar as possibilidades de junção entre conhecimentos tradicionais e científicos vindo da academia e das organizações que fazem pesquisa. As universidades têm papel importante, mas sozinhas não são capazes de fazer isso. Existe uma comunidade de pessoas com doutorado em municípios da Amazônia que podem ser a base para isso.
Agora, o formato exato ainda ninguém sabe, é por meio da experimentação, que precisa de apoio governamental. Nos Estados Unidos, quando se tem desafios dessa natureza, a Darpa (agência de pesquisa do departamento de Defesa) lança editais com desafios para estimular processos de experimentação. É importante estimular que grupos procurem dar respostas ao desafio.

Há um embate entre setores do agronegócio e ambientalistas sobre o grau de desmatamento a ser admitido na Amazônia: o desmatamento zero versus o desmatamento de até 20% nas áreas privadas, permitido pelo Código Florestal. Qual é a saída?
A pressão institucional para o desmatamento zero, não o desmatamento ilegal zero, é imensa. Ela se baseia na ideia de que os produtores [e consumidores] de soja querem dissociar o produto de qualquer perigo de desmatamento na Amazônia. E existem condições técnicas de a produção de soja se expandir no Brasil e no mundo sem desmatar a Amazônia e o Cerrado.
Autorizar algo na Amazônia que não seja a economia da floresta em pé pode satisfazer as necessidades de um produtor individual, mas não os interesses do país e da preservação do ecossistema. Não há razão para não aderir ao desmatamento zero integral. Mas o dado importante é que o desmatamento que ocorreu em 2019 não foi o desmatamento desses 20% [autorizados por lei]: 90% do desmatamento de 2019 foi ilegal.

Como você avalia a postura do agronegócio brasileiro em relação à Amazônia?
Há um conjunto de empresários interessados em interromper a devastação na Amazônia, favoráveis ao desmatamento dos 20% [permitidos], mas apoiam a Moratória da Soja, não apoiam a invasão de terras públicas. Por outro lado, há um conjunto de atores econômicos oportunistas incentivando políticas predatórias. A oposição hoje não é bem agronegócio versus ambientalistas, porque uma parte do agronegócio está junto com os ambientalistas, mas dentro do próprio agronegócio.

Bruno Lupion, 15 de abril de 2020.
Deutsche Welle, Alemanha.
Com apoio do Rainforest Journalism Fund e Pulitzer Center.

Gado, Soja, Desmatamento (DW)


Amazônia
Gado e Soja no Ciclo do Desmatamento (DW)

Agricultura e pecuária pressionam a Amazônia há décadas e são fruto do modelo adotado pelo regime militar para "desenvolver" a região, que já perdeu uma área de floresta equivalente a mais de duas Alemanhas.

Gado em fazenda na Amazônia. Presente na Amazônia desde o século 17, pecuária na região foi incentivada pelo regime militar.

A Floresta Amazônica passou por diversas tentativas de colonização ao longo da história do Brasil, mas foi durante o regime militar que o "desenvolvimento" da Amazônia se tornou uma prioridade para o governo, sob o lema "integrar para não entregar". A ocupação do bioma impulsionou o avanço de fronteiras agrícolas por regiões antigamente cobertas por florestas.
Até a década de 1970, apenas uma área pouco maior do que a de Portugal, que tem cerca de 92 mil quilômetros quadrados, havia sido desmatada na região. Com o discurso de expandir e modernizar, o regime militar impulsionou obras de infraestrutura que se tornaram responsáveis pela devastação do bioma. A construção de estradas na floresta abriu caminho tanto para o chamado progresso como para o desmatamento, que, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 2018 já atingia uma área superior a duas Alemanhas: 783 mil quilômetros quadrados na Amazônia Legal.
Cinco décadas depois, Sorriso, no Mato Grosso, se tornou a capital da soja e do agronegócio, e o pasto passou a ser a cobertura que ocupa 80% da área desmatada desde então.
A expansão agropecuária na região ocorreu como um efeito dominó, diz o geógrafo Hervé Théry, da Universidade de São Paulo (USP). O modelo mais comum começa com a abertura da floresta por madeireiros, que levam árvores de maior valor econômico. Em seguida, chegam os pecuaristas e pequenos agricultores.
"Os dois grupos são culpados pelo desmatamento, porém, os grandes têm muito mais meios e fazem mais estragos. Os pequenos se instalam para produzir alimentos para a família e para vender. Depois de um tempo, a fertilidade da terra diminui e eles precisam ir para outro lugar. Geralmente, colocam capim e vendem para os pecuaristas", explica Théry.

Gráficos comparam cobertura florestal na Amazônia entre 1985 e 2017.

Os últimos a chegar neste modelo são os sojicultores, que compram áreas desmatadas utilizadas anteriormente para a criação de gado. Ao longo dos anos, as fronteiras deste ciclo são pressionadas cada vez mais para o norte.

Pasto e gado
Um dos primeiros atores neste processo de expansão sobre a floresta, a pecuária está presente na Amazônia desde o século 17, quando foi introduzida por ordens religiosas. Apesar de ter uma presença histórica no bioma, de acordo com a geógrafa Susanna Hecht, do Instituto Superior de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento, em Genebra, na Suíça, a pecuária inicialmente era voltada para fornecer alimento e, apenas após o golpe militar de 1964, passou a ser utilizada para a ocupação de terras.
Em suas políticas de desenvolvimento da Amazônia, o regime militar ofereceu uma série de incentivos legais e fiscais para a expansão da atividade econômica no bioma. Grandes empresas também foram beneficiadas. Um exemplo emblemático foi a fazenda-modelo da montadora alemã Volkswagen no sul do Pará, denunciada na imprensa internacional pelo desmatamento causado na região no final da década de 1970.
Devido à necessidade de pouca mão de obra, à facilidade de implementação e a uma logística mais simples para seu escoamento, a pecuária se tornou a atividade ideal na política de integração do regime militar, explica Hecht. "Historicamente, a pecuária assumiu um papel importante de incorporação de terra, tomando terras públicas e as transformando em propriedades privadas, além de ser um mecanismo de especulação de terra", pontua.

Soja
Anos depois, chegou a vez da soja entrar na Amazônia. Isso só foi possível graças ao avanço de pesquisas agronômicas no desenvolvimento de sementes e técnicas que possibilitaram o cultivo do grão em regiões tropicais. A expansão da commodity começou no sul do país e seguiu avançando para o norte, entrando primeiro no Cerrado e, posteriormente, no bioma amazônico.
"A demanda contínua na década de 1990 e início dos anos 2000 criou uma dinâmica de desmatamento em que a soja substituiu os pastos existentes, estimulando novos desmatamentos para a criação de gado na Amazônia", afirma a cientista política Regine Schönenberg, do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim.

Amazônia brasileira: uma história de destruição. Assistir ao vídeo 02:59.

Além do aumento da demanda mundial pelo grão, melhorias na rede de infraestrutura e, principalmente na BR-163, conhecida como rodovia da soja, que liga o Mato Grosso a Santarém, no Pará, impulsionaram a expansão da atividade na região.
Por serem os últimos a chegar neste ciclo, os produtores de soja argumentam que não contribuem para o desmatamento. Na opinião do geógrafo Antonio Ioris, da Universidade de Cardiff, essa retórica é uma falácia devido à sinergia entre os setores.
"Em termos retóricos, pega bem para o setor de grãos dizer que não desmata. Nessa lógica, eles tentam se eximir de responsabilidades. Mas, ainda que muitas vezes não seja o sojicultor que desmata a floresta, o pecuarista desmata sabendo que a terra vai ganhar valor e que poderá vendê-la para o sojicultor”, explica Ioris.
Nesse ciclo, pesquisadores destacam um dos principais fatores que contribuem para continuidade deste processo: a grilagem e posterior legalização destas terras. "Pode demorar um pouco mais ou um pouco menos, mas no final das contas essa terra acaba sendo regularizada, e quem está lá ou seus familiares passam a ser os proprietários", afirma a geógrafa Neli Aparecida de Mello-Théry, da USP.

Clarissa Neher, 15 de abril de 2020.
Deutsche Welle, Alemanha.
Com apoio do Rainforest Journalism Fund e Pulitzer Center.


Amazônia no destaque internacional (DW)


Amazônia
Destaque inédito na ciência internacional (DW)

Recém-criado, o Painel Científico para a Amazônia compila todo o conhecimento já produzido sobre a maior floresta tropical do mundo. Ciência busca dar respostas para evitar o avanço da destruição.

Floresta queimando, com muita fumaça. Estudo aponta que queimadas influenciam formação de nuvens e afetam quantidade de chuvas.

Num escritório em São José dos Campos, interior de São Paulo, o ritmo intenso de reuniões é para apresentar ao mundo um trabalho pioneiro. Liderados no Brasil pelo climatologista Carlos Nobre, dezenas de pesquisadores compilam todo o conhecimento científico já produzido sobre a Floresta Amazônica e propõem caminhos para evitar o seu desaparecimento.
Andrea Escalada, pesquisadora da Universidade San Francisco, de Quito, também lidera a força-tarefa, que reúne cientistas dos nove países amazônicos: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname.
Com cautela, ela explica que há um senso de emergência entre todos os que se dedicam aos estudos da floresta. "Não queremos ser alarmistas, mas o que temos visto é muito, mas muito preocupante", afirma Escalada.
Poucos dias antes desse diálogo, Nobre e Escalada se espantaram com dados sobre a diminuição de chuvas e aumento de temperatura na Amazônia prestes a serem publicados. A principal autora do estudo, Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) confirma a informação à DW Brasil.
O artigo dela vai mostrar que, nos últimos 40 anos, a temperatura média nos meses de agosto e setembro aumentou muito na Amazônia. A região do sul do Pará vive a pior situação, com elevação da temperatura três vezes maior que a média mundial.
A conclusão desse artigo certamente não passará despercebida pelo grupo internacional liderado por Nobre, chamado de Painel Científico para a Amazônia (SPA, na sigla em inglês). Com o primeiro relatório finalizado até dezembro de 2020, o painel quer deixar ainda mais claro o impacto que a maior floresta tropical do mundo tem sobre o planeta.
"Do ponto de vista do estoque de carbono, por exemplo, é uma importância enorme. Se 50%, 60% da Amazônia virarem savana, significa uns 200 bilhões de carbono indo para a atmosfera só da floresta", ressalta Nobre. Ou seja, o acúmulo de gás dessa fonte, junto com a queima de combustível fóssil, vai levar o planeta a um aquecimento maior que o 1,5 ⁰C estipulado no Acordo de Paris.
Sobre o relatório do painel em andamento, Nobre classifica como capítulo mais desafiador o que trará soluções que cientistas, economistas e representantes da sociedade civil irão apresentar para que governos ajam na proteção da floresta. A ideia é que as propostas visem não só a sustentabilidade ambiental, mas considerem aspectos sociais e econômicos.

Ciência da floresta
É a primeira vez que uma rede internacional permanente de cientistas se dedica à Amazônia dessa maneira. A iniciativa nasceu dentro da Sustainable Development Solutions Network, ligada à Organização das Nações Unidas.
Descrita por sua exuberância e biodiversidade há séculos por desbravadores europeus, o conhecimento sobre as interações da floresta e o clima global é relativamente recente.
O ponto de partida foi em 1983, quando a primeira torre equipada para fazer investigações foi instalada em Manaus. Com 60 metros de altura, a estrutura fincada na reserva Adolpho Ducke media os fluxos de vapor de água da copa das árvores.
Vinham dali os primeiros indícios de que a Amazônia produzia uma enorme quantidade de vapor d'água que se transformava em chuva em outras regiões do país. O físico Enéas Salati foi um dos responsáveis por essa descoberta, que passou a ser conhecida como "rios voadores".
Foi só em 1998 que um grande projeto saiu do papel para investigar mais a fundo o funcionamento da Floresta Amazônica e seus impactos regional e global. O Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA, na sigla em inglês) reúne mais de 200 instituições brasileiras e internacionais, e instalou novas torres de medições pelo território.
Nobre foi um dos coordenadores científicos da empreitada. "Foi difícil convencer os militares a aprovar esse projeto internacional. Foram dois anos até sair o LBA, que se tornou o maior experimento numa floresta tropical até hoje realizado", relembra.
Em seus mais de 20 anos de vida, o LBA trouxe respostas consideradas divisoras de água. "Muito do que a gente conhece hoje sobre os processos que estão acontecendo na Amazônia foi devido exclusivamente a esse projeto", afirma Paulo Artaxo, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), que já presidiu o comitê científico.
Artaxo coordenou estudos que mostraram como partículas finas suspensas na atmosfera, os aerossóis, interferem no clima. Uma das conclusões é que uma grande concentração de aerossóis, como os emitidos durante as queimadas, altera os processos de formação e desenvolvimento de nuvens mudando a quantidade de chuvas que caem não só na Amazônia, mas no centro e sudeste do Brasil.

Ponto sem retorno
Com décadas dedicadas à compreensão da floresta, Nobre foi autor de muitos estudos de impacto. Em 1990, os primeiros artigos faziam previsões sobre como a alta do desmatamento poderia reduzir as chuvas e aumentar a temperatura.
Em 2007, com base em modelos matemáticos rodados em computador, Nobre apontou que, caso 40% da Floresta Amazônica desaparecessem, a densa mata alcançaria um ponto crítico de desequilíbrio, ou tipping point, e se transformaria numa savana. Em 2017, essa projeção foi corrigida: em vez de 40%, 20% de destruição seriam suficientes para a morte da densa Amazônia.

Amazônia brasileira: uma história de destruição. Assistir ao vídeo 02:59

Quando relembra essa trajetória, Nobre não se orgulha com a constatação de que as previsões feitas lá trás estão se confirmando. "Sinceramente, eu não imaginei que, em 2020, a gente já veria essa virada", comenta sobre o chamado tipping point.
"As medições já estão mostrando o aumento da estação seca e suas consequências. Estamos vendo o aumento da mortalidade de árvores típicas da Amazônia e a sobrevivência de árvores menores, mais resistentes, do cerrado [a savana brasileira]", lamenta.
Junto a essa mudança biológica, os resultados colhidos por Luciana Gatti aprofundam essa preocupação. A Amazônia, que sempre retirou com eficiência CO2 da atmosfera, o principal vilão do aquecimento global, agora libera esse gás estufa.
"Estamos vendo com medidas, com dados, o que Nobre preconizou há tanto tempo. Infelizmente", afirma Gatti. "Já vemos redução de quase 25% das chuvas na estação seca na região sudeste da Amazônia", adianta alguns pontos que serão publicados em breve.
Os impactos não ficam restritos ao local. "Nós estamos perdendo a Amazônia com a função que ela tem de gerar chuva, de regular o clima. Quem mais vai perder, num primeiro momento, é o agronegócio. Por que a chuva vem de lá", comenta.
A pesquisadora ressalta que a ciência dedicada à floresta já mostra que as chuvas estão diminuindo em áreas-chave de produção agrícola no país. "Haverá perdas para o agronegócio, os alimentos ficarão mais caros e também já observamos escassez de água no Sudeste brasileiro durante as secas na Amazônia, que são os meses de inverno", finaliza Gatti.

Nádia Pontes, 15 de abril de 2020.
Deutsche Welle, Alemanha. 
Com apoio do Rainforest Journalism Fund e Pulitzer Center.

Desmatamento e Epidemias (DW)


Amazônia
Desmatamento e Epidemias (DW)

Cientistas alertam há décadas para o risco de novas doenças como consequência da destruição de florestas. Assim como a Ásia, origem do novo coronavírus, a Amazônia é vista como possível polo de enfermidades.

Árvore sozinha em área desmatada. "Se a Amazônia virar uma savana, não dá nem para imaginar o que pode sair de lá em termos de doenças", diz pesquisadora.

Faz pelo menos duas décadas que cientistas repetem o alerta: à medida que populações avançam sobre as florestas, aumenta o risco de micro-organismos – até então em equilíbrio – migrarem para o cotidiano humano e fazerem vítimas. Foi por isso que a notícia sobre a propagação do novo coronavírus, detectado pela primeira vez na China em dezembro passado e que se espalhou pelo mundo, não pegou Ana Lúcia Tourinho de surpresa. Doutora em Ecologia, ela estuda como o desequilíbrio ambiental faz com que a floresta e sociedade fiquem doentes.
"Quando um vírus que não fez parte da nossa história evolutiva sai do seu hospedeiro natural e entra no nosso corpo é o caos. Está aí o novo coronavírus esfregando isso na nossa cara", argumenta Tourinho, pesquisadora da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
No caso do novo coronavírus, batizado de Sars-CoV-2, muito antes de infectar os primeiros humanos e viajar a partir da China, abrigado no corpo de viajantes, para outras partes do mundo, ele habitava outros hospedeiros num ambiente selvagem – morcegos, provavelmente.
Isolados e em equilíbrio em seu habitat, como florestas fechadas, vírus como esse não ameaçariam os humanos. O problema é quando esse reservatório natural começa a ser recortado, destruído e ocupado.
Estudos científicos publicados anos antes da atual pandemia já mostravam a conexão entre perda florestal, proliferação de morcegos nas áreas degradadas e coronavírus. Análises assinadas por Aneta Afelt, pesquisadora da Universidade de Varsóvia, na Polônia, descrevem como os altos índices de destruição florestal nos últimos 40 anos na Ásia eram um indicativo de que a próxima doença infecciosa grave poderia sair dali.
Para chegar a essa conclusão, Afelt seguiu o rastro de pandemias prévias provocadas por outros coronavírus, como a da Sars, em 2002 e 2003, com taxa de mortalidade de 10%, e a Mers, em 2012, que matou 38% das vítimas infectadas.
"Por ser uma das regiões do mundo onde o crescimento populacional é mais intenso, onde as condições sanitárias permanecem ruins e onde a taxa de desmatamento é mais alta, o Sudeste Asiático atende a todas as condições para se tornar o local de emergência ou reemergência de doenças infecciosas", afirmou Afelt num artigo de 2018.
Tais condições não se aplicam apenas a essa parte do mundo. Na Amazônia, onde em 2019 o desmatamento bateu o recorde desta década, com 9.762 km² destruídos, e os alertas de desmatamento aumentaram 51,4% entre janeiro e março de 2020 em relação ao período anterior, o cenário é parecido.
A região com a maior floresta tropical do mundo também é considerada um provável polo de epidemias, como mostrou uma análise feita por uma equipe liderada por Simon Anthony, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Só de coronavírus que circulam em morcegos também no Brasil, o levantamento contabilizou pelo menos 3.204 tipos.

O risco que vem da Amazônia
Tourinho não gosta nem de pensar sobre o impacto na saúde pública se a destruição da Floresta Amazônica seguir o ritmo acelerado. "Se a Amazônia virar uma grande savana, não dá nem para imaginar o que pode sair de lá em termos de doenças. É imprevisível", diz a pesquisadora. "Além de ser importante para nós por causa do clima, da fauna, ela é importante para nossa saúde."
Estudos feitos no país já traçaram a relação direta entre o corte da Amazônia e o aumento de doenças. Em 2015, por exemplo, uma equipe do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) constatou que, para cada 1% de floresta derrubada por ano, os casos de malária aumentavam 23%.
A pesquisa foi feita com dados de 773 cidades no Projeto de Monitoramento de Desmatamento da Amazônia, de 2004 a 2012. Além da malária, a incidência de leishmaniose também se mostrou diretamente relacionada ao desmatamento.
"A floresta fechada é como um escudo para que comunidades externas entrem em contato com animais que são hospedeiros de micro-organismos que causam doenças. E quando a gente fragmenta a floresta, começa a fazer vias de entrada no seu seio, isso é uma bomba-relógio", conclui Tourinho, mencionando ainda o perigo trazido por grandes empreendimentos, como hidrelétricas na Amazônia.
O entra e sai da floresta fragmentada para tirar madeira, colocar gado, abrir garimpo também é apontado como um perigo para a saúde. "As pessoas que entram nessas áreas podem ter contato com esses vírus e levar dentro delas o problema para centros urbanos", exemplifica Tourinho.
Nesse cenário, indígenas conseguem ser mais resistentes devido ao convívio por séculos com a floresta intocada, pontua a pesquisadora.
"Quando esses vírus chegam às cidades, a disseminação é muito rápida, justamente por toda a facilidade de deslocamento nesses centros, possibilidade de deslocamentos internacionais. As cidades repetem o mesmo estilo de confinamento que a gente faz com os animais e são gatilhos para proliferação de doenças contagiosas", acrescenta a bióloga.
Uma dessas rotas pode explicar a origem da pandemia do Sars-Cov-2. A covid-19, doença respiratória provocada pelo coronavírus, infectou mais de 2 milhões* de pessoas e matou mais de 128 mil* no mundo, segundo dados atualizados pela Universidade Johns Hopkins em 15 de abril de 2020*.

* Pandemia de Coronavírus - Covid-19
Última atualização: 23 de abril de 2020, 16:08 GMT
Casos de coronavírus: 2.672.260
Mortes: 186.933
Recuperado: 731.797

Nádia Pontes, 15 de abril de 2020.
Deutsche Welle, Alemanha.
Com apoio do Rainforest Journalism Fund e Pulitzer Center.

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Brasil e os Brics (Gazeta do Povo)


Brasil e os Brics
Perspectivas econômicas



Bolsonaro comanda sessão plenária da 11ª Cúpula de Líderes do Brics: parceiros pedem que a ONU preste mais atenção ao Brasil como ator político importante. Foto: Alan Santos/PR

O Bric de 2006 e depois Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) a partir de 2010, fez sua 11ª reunião de cúpula em Brasília-DF entre 13 e 14 de novembro de 2019. Dentre as 196 nações do mundo, este seleto quinteto inclui quatro das maiores potências econômicas do mundo e a maior delas (China) só é ultrapassada pelos Estados Unidos da América. A cúpula se deu entre Presidentes (B, R e C) e Primeiros Ministros (I e S) e respectivas comitivas.
Os dados demográficos de 2019 apontam: China, 1,43 bilhões de habitantes; Índia, 1,37; Brasil, 0,21; Rússia, 0,15 e África do Sul, 0,06; no total 3,22 bilhões de pessoas ou seja 42% de toda a população mundial. A maior potência do planeta, os EUA, tem 0,33 bilhões. China e Índia são os dois países de maior área, com 9,7 e 3,3 milhões de km2. A segunda, juntamente com o Paquistão, está geograficamente colada à China. Esta fez construir uma das maravilhas do mundo, ligando-a ao último (que tem 217 milhões de habitantes): Karakoram, a rodovia mais elevada do mundo, pavimentada com dupla mão e quatro pistas; 1.300 km rasgando trechos do Himalaia e seus vales. Uma muito mais curta ramificação a sudoeste faria a conexão tríplice com a Índia. Há dezenas de reatores nucleares operando nestes três países. São ditos para a geração de energia elétrica. Mas também podem se prestar a artefatos bélicos. A união futura do trio na busca de hegemonia econômica mundial é uma perspectiva a se considerar, pois a China, per se, já persegue este objetivo e progressivamente o vai alcançando.
Detenhamo-nos um pouco mais no gigante dos gigantes. Das Dinastia Shang-Zhou (1600 a 256 A.C.), passando por numerosas outras até a mais moderna Qing (1644 - ...), a China deixou um legado muito mais além da acupuntura e soldados-bonecos de terracota. O país foi berço de grandes invenções como a seda e sua tecelagem, a pólvora, a bússola, a tecnologia de fabricação de papel, um primeiro livro em papel de cânhamo e precursor artesanal para linotipia, a goma-laca. Achados arqueológicos revelam dezenas de outros inventos. Em solo chinês se domesticou a soja para fins alimentares. Seguiu-se, então, muito tempo de obscurantismo social e econômico chinês. Nas últimas cinco décadas a China experimentou a mais notável evolução econômica dentre todos os países. De 1968 e um PIB de US$ 0,07 bilhões e um PIB per capita de apenas US$ 91 evoluiu em 1998 para US$ 1,03 trilhões e US$ 829; as cifras de 2018 foram de US$ 13,4 trilhões e US$ 9.370. Somente sobrepujada pelos Estados Unidos com um PIB de 2018 na casa dos US$ 20,49 trilhões e, portanto, um per capita de US$ 62.600. O Brasil muito mais aquém com um PIB de US$ 1,87 trilhões, correspondendo a cada brasileiro US$ 8.905/ano.
Afunilemos o foco em minerais raros, mas é preciso não confundir o elenco de metais raros tipo neodímio para fins tecnológicos modernos com outros minerais de muito maior valor comercial tais como jadeíta, diamante vermelho, serendibita, granada azul e rubi, todos como os mais finos itens de joalherias, nos quais, cada quilate (200 mg) pode custar entre 1 e 3 milhões de dólares.
É de dezessete o número de minerais considerados raros e esta definição tem a ver com suas propriedades físicas e químicas muito peculiares, o que os torna então úteis para aplicações especializadas tais como telefones celulares, computadores, magnetos, lasers, mísseis, aviões invisíveis de combate, óculos de visão noturna e dispositivos hápticos (botões de toque em videogames). Alguns mais conhecidos e já com aplicações bem estabelecidas são o neodímio (magnetos robustos de multi-aplicações desde ferramentas para joalheria, braçadeiras de solda, filtros de óleo, geolocalizadores, ferramentas de montagem e mesmo em aeronáutica espacial para roupas antigravitacionais e coleta de poeira em outros planetas); cério (liga de ferro maleável, polimento de vidros, iluminação via arco-de-carbono na indústria cinematográfica, estocagem de hidrogênio via hidreto); tântalo (anticorrosivo em ligas metálicas e refratários; substituto da platina); hólmio (gerador do mais intenso campo magnético artificial e laser; absorvente de nêutrons da fissão nuclear e moderador nos reatores nucleares; o óxido amarelo na coloração de vidros); ítrio (incrementador da resistência de ligas de alumínio e magnésio; filtro de micro-ondas para lasers; liga de alumínio e ítrio em laser cortador de outras ligas metálicas); térbio (liga para aumentar campos magnéticos; dopador de outros sais para aparelhos de estado sólido; estabilizador de cristal em células combustíveis) e gadolínio (ligas de ferro e cromo para incrementar a resistência a altas temperaturas e oxidação; aplicações de micro-ondas; televisores a cor; como corante de contraste, aumenta e aperfeiçoa as imagens de ressonância nuclear magnética)
Na medicina moderna de diagnóstico por imagens uma das técnicas mais consolidadas é a Ressonância Magnética Nuclear (RMN). No aparelho a fiação do magneto supercondutor tem alguns Km de comprimento e é constituída de uma liga metálica complexa de nióbio, tântalo, titânio e estanho [(NbTaTi)3Sn], a qual, por ser quebradiça, é embebida em cobre para garantir-lhe um reforço. O nióbio tem ainda numerosas aplicações estratégicas tais como aços reforçados na construção de oleodutos, motores e turbinas de aviões a jato, baterias de carros elétricos, lentes óticas, aceleradores de partículas, juntas e implantes ortopédicos, ferramentas de corte, marca-passos e equipamentos de alta resistência ao calor. A cotação internacional gira em torno de US$ 150/kg.
O Brasil detém a quase totalidade das reservas de nióbio do mundo. Suas minas principais estão em Araxá e Tapira, Minas Gerais (75%) operada pela Cia. Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) e o mineral nativo é a carbonatita (1,5 a 3% de óxido Nb2O5). Segundo a Revista da Fapesp, a mina é de propriedade da família Moreira Salles, coproprietários do Itaú-Unibanco, sendo que 30% foram vendidos a fabricantes de aço chineses, japoneses e sul-coreanos. Outras jazidas estão em São Gabriel da Cachoeira e Presidente Figueiredo no Amazonas (21%) e Catalão e Ouvidor, em Goiás (4%), esta operada pela CMOC Intl. Brazil, uma subsidiária da chinesa China Molybdenum. A reserva total brasileira está estimada em 842 milhões de toneladas métricas. Se espera que, por conta da demanda internacional, a exploração do nióbio amazonense, sob firme supervisão e instrução dos órgãos governamentais pertinentes, resulte por 51% em favor dos indígenas, evitando que em um futuro mais distante, tal qual seus congêneres estadunidenses, se ocupem de cassinos e bebidas alcoólicas.
Os minerais brutos mais comuns englobando terras raras são a monazita e bastnasita. No conjunto, a China detém as maiores reservas do mundo (37%) e, de acordo com USA Geological Survey, ela produziu, em 2018, cerca de 70% de todos os minerais então consumidos internamente e exportados mundo afora. Este mesmo serviço yankee qualifica a exploração de metais raros como “um negócio sujo”, por conta da dispersão das rochas e os meios físicos e químicos drásticos para alterar a ocorrência nativa na direção comercial. Além do que as jazidas usualmente têm um material radioativo – tório – associado aos metais de interesse mais imediato. Austrália, Brasil, Índia e África do Sul também tem boas reservas de minerais raros. Um trio dentro do quinteto BRICS. Os Estados Unidos dispõem apenas de cerca de 1% do elenco das terras raras de maior interesse.
Um adendo radioativo: o potencial do tório (Th) para reatores nucleares à prova de fusão, ou seja, sem acidentes do tipo Chernobyl (Ucrânia) ou Fukushima (Japão). O defensor entusiasmado da ideia é Pedro Jacobi (“O portal do Geólogo”). China, Japão, Inglaterra e Austrália estão nesta mesma seara, pois, o ponto de fusão dos sais de tório é muito mais elevado do que daqueles de urânio e um reator nuclear a Th opera a mais baixa pressão. São os chamados LFTR – Reatores movidos a fluoreto de tório líquido e com menor custo operacional, maior segurança e estabilidade. Os resíduos nucleares são mais facilmente neutralizados e processados sem prejuízo ambiental. Há muito tório nas areias monazíticas das praias brasileiras.
Segundo dados do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e com base em pesquisadores do Departamento de Geologia da UFMG, no Brasil existem muitas dezenas de ocorrências de reservas/depósitos tanto de tório quanto de urânio em pelo menos duas dezenas de municípios. A torianita nacional, com um conteúdo de 7% de tório, se situava em 600 mil toneladas, uma das maiores reservas do mundo. As praias do estado do Espírito Santo e suas areias monazíticas são de maior importância. O país com tecnologia mais avançada em reatores nucleares a tório é a Índia (e.g., reatores Kamini, Bhabha e Kakrapar) e também detentora de grandes reservas deste material nuclear. Incidentalmente, a Índia é parceira do Brasil no Brics.
O tório nativo (Th-232), mais comum que o urânio, não é físsil e assim se torna (Th-233) sob bombardeamento com nêutrons. Vantajosamente em relação ao urânio que gera plutônio também radioativo, o tório leva a produtos, quando do descarte do reator, com tempo de meia vida mais curto. O tório (não radioativo) é o revestimento ideal para fios de tungstênio (equipamentos eletrônicos), aditivo para incrementar a resistência mecânica e a altas temperaturas do magnésio e cadinhos de laboratório de análises químicas e aditivo para vidros para elevar o índice de refração com baixa dispersão, além de ser eficiente catalisador em processos industriais tais como o craqueamento de petróleo.
Todavia, as usinas nucleares de geração II (as mais comuns) são numerosíssimas e fazem uso de urânio enriquecido (U-235): são 99 nos USA, 58 na França, 34 na Rússia e 24 na China. Japão e Alemanha estão em processo de desativação das suas. O Brasil conta apenas com Angra I e II e ainda patinando com Angra III. As pastilhas já gastas no reator se convertem em várias formas residuais igualmente radioativas. As sucessivas conversões de enriquecimento do urânio minerado são seus óxidos (UO2 e U3O8) e seu fluoreto gasoso (UF6), por fim reconvertido em dióxido enriquecido (UO2) cujas pastilhas alimentam o reator e de lá, consumada a fissão, saem na forma de vários produtos também radioativos dentre os quais U-234, neptúnio-237, amerício-241 e plutônio-238, este último com tempo de meia vida de 88 anos comparados ao primeiro, 245 anos. No elenco das mais modernas plantas nucleares em construção, de geração III, a China, Rússia e Índia com 25, 9 e 6, respectivamente.
A Austrália detém a maior reserva de urânio do mundo (1,78 milhões de toneladas), seguida do Cazaquistão (0,94) e Canadá (0,7). Coincidentemente o elenco das reservas de países ocupando desde a 4ª até 8ª posições mundiais são exatamente aqueles do Brics, mas em ordem alterada de siglas: África do Sul (0,44), Rússia (0,39), Brasil (0,28), China (0,27) e Índia (0,14) em milhões de toneladas. Em outras palavras, o time do Brics possui 20% das reservas mundiais de urânio. A reserva dos USA é a mesma da Índia, mas se falta fizesse, teriam ou já tem o socorro imediato de seus aliados: Canadá e Austrália.
O urânio não é comercializado segundo o padrão das demais commodities. De acordo com três consultoras internacionais (UxC, LLC e Tarrade Tech) de 1990 o preço/kg baixou de US$ 40–50 para 25–32 o quilograma. Na média, US$ 25/kg. Para o tório a cotação é levemente superior; cerca de US$ 30/kg. Para o neodímio (óxido), US$ 110/kg. O nióbio (metal 99,5% puro) é cotado em US$ 150/kg (o Brasil com > 98% das reservas mundiais – 842 milhões de toneladas – é seguido, muito ao longe, pelo Canadá e Austrália).
O duelo e as retaliações constantes entre os USA (Trump) e China (Xi Jinping) não têm como mola propulsora a importação e a exportação de brinquedos. O real e mais importante pano de fundo é a tecnologia 5G (5ª geração de internet móvel ou sem fio) que explora uma largura de banda entre 100 e 1000 vezes maior que a atual 4G, podendo transmitir mais de 10 gigabytes/segundo, evoluindo a seguir para uma velocidade de até 100 vezes maior, sendo estável e com uma latência reduzida para 1 milissegundo. Trump determinou o bloqueio de exportações norte-americanas para a gigante de telecomunicações chinesa Huawei. A 5G vai interligar fábricas, plantas energéticas, aeroportos, veículos automotores, aviões, universidades, hospitais, sítios de lazer e órgãos governamentais, dentre outros. Telefones celulares operarão instantaneamente. Companhias norte-americanas tais como a Verizon, Sprint, T-mobile e AT&T estão engajadas em consolidar a 5G no curso de 2020 apoiadas nos sólidos investimentos de 2019 e mesmo bem antes. A Nokia finlandesa e a Ericsson sueca não estão dormindo em berço esplêndido no que tange a 5G. Mas um fato concreto é que a Huawei chinesa, já ao final de janeiro de 2019, segundo o colunista Wagner Wakka do jornal Time, anunciou o chip Tiangang compatível com 5G. Uma revolução nas telecomunicações nas várias atividades comerciais e de lazer do ser humano. Dada sua potência mais elevada, o chip consegue controlar até 64 canais de conexão. Engloba também, melhorias revolucionárias em unidades de integração de internet via antenas 50% menores, 25% mais leves e consumindo 21% menos energia. Em tempos atuais, a Huawei já é a maior empresa mundial para equipamentos em telecomunicações, vendendo seus produtos para 170 países. Seu lucro em 2018, subiu para mais de 1 bilhão de dólares. No que toca a telefones celulares (sistema operacional Android) está atrás apenas da Samsung (sul-coreana) mas à frente da Apple (USA). Seus 80.000 empregados sustentam 14 centros de pesquisa conectados mundo afora. Para os brasileiros, com a recente cúpula do Brics não seria improvável que a 5G verde-amarela venha com o carimbo “made in China”.
No mais, o paciente povo brasileiro prossegue na esperança de suas três necessidades mais básicas: saúde, educação e segurança pública sob o guarda-maior, bastante desacreditado: justiça. Votos de que o Brics, a internacionalização e a abertura de mercado recíproca nos sirva na consecução das mesmas. Lembremos aos políticos de todos matizes o que reza a Constituição Federal de 1988 (ora mais acionada para libertar criminosos), em seu art. 7º, inciso VI: “todos trabalhadores urbanos e rurais terão garantido um salário-mínimo fixado em lei, unificado e capaz de atender as necessidades vitais e de sua família como alimentação, moradia e educação”. E seguimos muito longe disto.

José Domingos Fontana, professor emérito da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
10 de dezembro de 2019 às 20:00


terça-feira, 27 de agosto de 2019

Guardiãs da Amazônia (O Globo)


Guardiãs da Amazônia
Conheça quatro mulheres na linha de frente da defesa da floresta


RIO - Nas últimas semanas, a Amazônia não sai das manchetes dos jornais e dos assuntos mais comentados nas redes sociais. E não é por um bom motivo. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que houve um aumento de mais de 80% de incêndios florestais no Brasil neste ano, comparado ao mesmo período de 2018, e que a Amazônia é o bioma mais afetado — concentra mais da metade dos focos.
À frente da defesa da floresta, está uma legião de destemidas mulheres — da filha de Chico Mendes até indígenas, passando por ribeirinhas, pesquisadoras e manejadoras de madeira sustentável.
Celina conversou com quatro delas, cada uma atuante em um estado amazônico diferente: Ângela Mendes, primogênita do lendário ativista, do Acre; a historiadora Ivaneide Bandeira Cardozo, de Rondônia; a indígena Nara Baré, do Amazonas; e a manejadora florestal Maria Creusa da Gama Ribeiro, do Pará.
Elas são quase "aruanas da vida real". Em "Aruanas" , série original do Globoplay lançada no mês passado, a jornalista Natalie (Débora Falabella), a ativista Luiza (Leandra Leal), a advogada Verônica (Taís Araujo) e a estagiária Clara (Thainá Duarte) trabalham na ONG Aruana, que atua na Amazônia investigando e combatendo crimes ambientais.
Conheça abaixo a história das quatro mulheres que, fora da ficção, sofrem com a insegurança sobre o futuro da Amazônia e, por terem uma atuação que confronta interesses econômicos de exploração da floresta, chegaram a se acostumar com ameaças de morte.

'Corre nas minhas veias ser contra injustiças' (Ângela Mendes)

Ângela Mendes tem a defesa da Amazônia em seu DNA. Ela é a filha mais velha de Chico Mendes, líder seringueiro assassinado a mando de um fazendeiro em 1988, em Xapuri, no Acre. Quando o crime aconteceu, Ângela tinha 19 anos e tinha retomado o contato com o pai há poucos anos. Chico Mendes já era, então, reconhecido por defender tanto sua classe de trabalhadores quanto a preservação da floresta e sofria ameaças de morte.
Ângela Mendes, coordenadora do Comitê Chico Mendes Foto: Arquivo
Ela conta que foi criada longe da militância do pai e que, depois da morte dele, levou algum tempo para conseguir se envolver diretamente no movimento ambiental e sindicalista.
— Eu costumo dizer que o sangue puxa. Esse era um mundo a parte do meu, mas você começa a perceber as injustiças. O que corre nas minhas veias é ser contra injustiça, seja qual for. Essa é a minha missão no mundo.
Em 1996, Ângela começou a trabalhar no Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA), criado em1981 pelo sindicato presidido por Chico Mendes com o intuito de levar escolas para o interior da floresta. Hoje, aos 49 anos, ela coordena o Comitê Chico Mendes, uma rede de ativistas criada em 1989 para cobrar a punição dos responsáveis pelo crime e que hoje se dedica a divulgar o legado do ambientalista.
— A gente faz um resgate da luta e do legado do meu pai. Desde 2017, o Comitê tem se voltado para uma pegada mais jovem, para chamá-los para esse compromisso, atuando com educação e conscientização ambiental — diz.
Ela também é diretora da Secretaria de Mulheres do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), outra organização fundada por Chico Mendes, em 1986. Sua atuação é voltada para a proposição de políticas voltadas paras as mulheres dessas populações.
— A ideia é que as mulheres passem a ter um protagonismo maior nos territórios. Existe essa dificuldade de respeitar a posição de uma mulher liderando um movimento. Tem muitomachismo. Ainda é um processo que os próprios companheiros têm que perceber — afirma.
Ângela, que vivencia a situação da Amazônia a partir do Acre, critica a postura que avalia como permissiva e até incentivadora dos governos estadual e federal em relação ao desmatamento. Ela lembra a fala do atual governador do Acre, Gladson Cameli (PP), que, no final do mês passado, orientou os produtores rurais a não pagar multas ambientais. Ela considera que a floresta vive uma situação "calamitosa", mas comemora a mobilização recente em prol da Amazônia.
— Mais do que nunca, a gente precisa estar unido e precisa de força.

'Eles perderam o medo de nos ameaçar' (Ivaneide Bandeira Cardozo)

A floresta é a casa da historiadora e ativista Ivaneide Bandeira Cardozo. Até os 12 anos, foi criada na área onde hoje é demarcada a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, e há mais de 30 atua na defesa do meio ambiente e dos povos indígenas da Amazônia.
Hoje, aos 60 anos, ela se divide entre a capital Porto Velho, onde se formou em História e concluiu o mestrado em Geografia, e as aldeias indígenas onde toca projetos pela Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé. A frente da organização que ajudou a fundar em 1992, participou de expedições para prender madeireiros ilegais e invasores de terra e chegou a fazer aproximações com povos até então isolados.
— Uma vez pegamos um madeireiro cortando uma castanheira perto da Aldeia Jamari, dos Uru-Eu-Wau-Wau. Eu não estava sozinha, estava com 20 guerreiros. Chamamos a polícia para prendê-lo — conta, acrescentando que, apesar de viver sob ameaça, não sente medo na hora que precisar agir. — Não tenho medo. Sinto medo depois, quando vou pensar no que eu fiz, mas na hora não.
Ivaneide afirma que o fato de ser uma mulher e participar ativamente das ações na floresta não causa estranhamento entre os indígenas. O mesmo não acontece entre os homens brancos que, segundo ela, ainda não estão acostumados com lideranças femininas indo para o “enfrentamento”.
A ativista diz que as ameaças recebidas por ela e sua equipe, e as invasões registradas em terras indígenas onde trabalham, se multiplicaram neste ano. Com o avanço do desmatamento e das queimadas em Rondônia, Ivaneide se preocupa com os povos que ainda vivem isolados. Ela também denuncia o avanço da grilagem no Parque Nacional de Pacaás Novos, cuja área coincide em parte com a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau.
— Já tinha invasão nos outros governos, mas agora está aumentando absurdamente. Eles perderam o medo de nos ameaçar — afirma. — Tenho uma preocupação muito grande com os índios isolados. O medo é a gente nem saber que esses indígenas foram mortos.
Ivaneide lamenta o fim dos repasses internacionais para o Fundo Amazônia e considera que isso irá prejudicar o trabalho de proteção da floresta. A Associação Kanindé é uma das organizações que já recebeu recursos do fundo para projetos de elaboração e implementação de planos de gestão territorial em terras indígenas.

'Sentimos responsabilidade por nós e pelo mundo' (Nará Baré)

Nará Baré, de 41 anos, é em muitos sentidos pioneira na luta ambiental. Amazonense, ela é a primeira mulher a assumir a liderança da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). E foi na gestão dela, iniciada em 2017, que se alcançou pela primeira vez na história da Coiab uma divisão paritária de líderes: dois homens e duas mulheres na coordenação executiva.
'Passamos a fazer nós mesmos a vigilância do território, que estava sendo cada vez mais negligenciado', diz Nara Baré Foto: Acervo Pessoal
Antes disso, em 2013, a indígena Nara foi indicada para concorrer a um dos postos de coordenadora executiva da entidade por aclamação de todas as mulheres presentes em uma assembleia realizada na época.
— Cerca de 80% da liderança no meio amazônico é formada hoje por mulheres. Somos muitas — afirma ela, hoje coordenadora geral da Coiab. — Mas no início eu sentia discriminação por ser mulher.
A atuação de Nará no Amazonas é para preservar os territórios indígenas, as unidades de conservação e a manutenção dos modos de vida tradicionais dos povos que lá vivem.
— A própria Conferência do Clima da ONU reconhece os nossos modos de vida tradicionais como um grande trunfo para frear as mudanças climáticas. Infelizmente, com as falas do nosso presidente incitando o garimpo e o desmatamento na Amazônia, nós sentimos uma responsabilidade ainda maior. Não só por nós, mas pelo mundo — diz a indígena.
Nara afirma que as leis e a fiscalização ambientais começaram a se flexibilizar no governo Dilma e, posteriormente, também no governo Temer. Já nessa época, organizações indígenas e ribeirinhos passaram a tentar "tapar o buraco" de vigilâncias que deveriam ser feitas pelo Estado.
— Passamos a fazer nós mesmos a vigilância do território, que estava sendo cada vez mais negligenciado. É uma autovigilância. Mas, agora, o desmatamento aumentou exponencialmente, e vemos que o governo não tem como meta a preservação da Amazônia — considera ela. — Ver essas queimadas se alastrando é muito preocupante. A gente percebe que o desmatamento tem aumentado. É mais do que estatística. A gente vê! E, mesmo o mundo todo se dando conta disso, o presidente do Brasil continua com um discurso vazio.

'Eu nunca abaixei minha cabeça' (Maria Creusa da Gama Ribeiro)

Foi aos 12 anos que a paraense Maria Creusa da Gama Ribeiro, hoje aos 50, começou a se interessar por preservação ambiental, sendo levada a reuniões de extrativistas por sua mãe e pelos seus irmãos mais velhos. Hoje, ela é manejadora florestal da reserva Verde Para Sempre, que engloba 1 milhão e 300 mil hectares e é onde vivem cerca de 15 mil pessoas, no estado do Pará. Nesse espaço, retirada ilegal de madeira não tem vez, e é o manejo comunitário que protege a área do desmatamento.
A reserva foi criada há quase 15 anos — a data será completada no próximo 4 de novembro —, e, nessa época, eram comuns as ameaças de morte contra os extrativistas responsáveis pela fundação da unidade de conservação. Com o tempo, a legitimidade da reserva foi se consolidando, e as grandes empresas e latifundiários que tentavam invadir aos poucos se recolheram.
O medo de Maria Creusa é que, agora, com o afrouxamento da fiscalização na região e o discurso antiambientalista do presidente Jair Bolsonaro, as ameaças e a sensação de insegurança voltem.
— Quando começamos a discutir a criação da unidade de conservação, fomos ameaçados, chegamos a sair de nossas casas. Eu fui pessoalmente ameaçada de morte. A gente aprende a conviver com isso. Eu nunca abaixei minha cabeça. Continuo minha luta, essa é minha missão. Mas, de um modo geral, nos últimos anos, a situação estava mais tranquila — conta ela, que tenta ser otimista: — Agora, nossa preocupação é que volte como era antes. Mas tenho fé de que isso não vai acontecer, que é só uma turbulência pela qual estamos passando. Tento pensar assim.
Ela destaca o quanto o manejo comunitário da madeira contribui para que a floresta fique de pé:
— Não existe forma mais correta de se trabalhar dentro da floresta do que por meio do manejo, de modo que você tenha recursos naturais tanto para você quanto para os que vêm depois de você. Essa lógica do manejo sustentável, não predatório, serve para a madeira, para a castanha, para a pesca.
Parte dos recursos da reserva vem da própria produção das famílias e outra parte é captada por meio do Instituto Chico Mendes (ICMBio). Chegava até eles verba oriunda do Fundo Amazônia, mantido pela Noruega e pela Alemanha, que agora está virtualmente extinto.
— Para nós, foi um choque — afirma ela, sobre a retirada de dinheiro do Fundo. — Não sabemos ainda como será o futuro.
Leda Antunes e Clarissa Pains
27 de agosto de 2019 às 14:53

Texto originalmente publicado pelo O Globo sob o título "Guardiãs da Amazônia: conheça quatro mulheres na linha de frente da defesa da floresta"