Economia
com alma para a Amazônia
Os
alertas de que o desmatamento na Amazônia Legal derrubou mais de 500
quilômetros quadrados de florestas, somente em abril de 2021, devem
inquietar-nos ainda mais se desejarmos garantir vida com dignidade para todas
as pessoas. No contexto da pandemia, o desmatamento está intimamente vinculado
a outras violações de direitos humanos e da natureza, como a grilagem de
terras, a mineração em territórios indígenas, a precariedade dos serviços de
saúde e a criminalização dos defensores e defensoras de direitos.
Na
encíclica “Laudato Si”, que está para completar seis anos de publicação,
nosso querido Papa Francisco assinalou que todas as coisas estão interligadas,
são interdependentes. Humanidade e natureza não podem ser assumidas como se uma
não dependesse da outra. Por isso, a economia não pode se abster de incluir as
questões ambientais nas suas definições e práticas, pois isso, lembra o Papa,
aumentará ainda mais as situações históricas de injustiças, empobrecimento e
violência. Os gritos ecoados como consequências do desmatamento na Amazônia são
um apelo para toda a sociedade, mas especialmente para as diferentes esferas de
governo, sobre a urgência em repensar os modelos econômicos injustos e
insustentáveis.
Sensível
a esta realidade, jovens, economistas, universidades, pastorais e a sociedade
civil responderam a um outro chamado do Papa Francisco: “estabelecer um
pacto para mudar a economia atual e atribuir uma alma à economia de amanhã.”
Essa é a economia de Francisco, um movimento que está refletindo e atuando com
experiências concretas para promover a dignidade humana e o cuidado com a Casa
Comum, e para que a economia não seja um emaranhado de estatísticas sem vida.
Por isso, é necessário dar uma nova alma à economia. E qual pode ser o novo
rosto da economia? Quais pactos podemos firmar em nossas comunidades, cidades,
no Brasil e no mundo?
Esse
pacto precisa respeitar as comunidades tradicionais, especialmente povos
indígenas, quilombolas e ribeirinhos da Amazônia. Na exortação “Querida
Amazônia”, o Papa também indica que estes irmãos e irmãs não são pessoas que
devem ser convencidas sobre nossos projetos, mas antes de tudo precisam ser
escutados, porque são os principais interlocutores para promover políticas
justas e democráticas. Escutar os povos e comunidades para dar uma nova alma à
economia é um dever de justiça, porque são eles que conhecem suas realidades e,
como sujeitos de direitos, imaginam e já estão construindo a sociedade do bem
viver, ainda que ameaçados. Se não ouvirmos os povos tradicionais, a Amazônia
continuará sendo um território destinado à exploração desenfreada a serviço da
economia de poucos para poucos.
Além
do direito à participação em qualquer projeto, especialmente aqueles
relacionados à economia, comunidades tradicionais também são detentoras de
conhecimentos abandonados pela nossa sociedade modernizada, e foram elas as
responsáveis pela conservação da floresta e toda a sua biodiversidade. Por
isso, nenhum projeto, mesmo aqueles erigidos sobre a ótica da qualidade de
vida, devem ser realizados sem reconhecer o mundo de símbolos e visões potentes
que esses povos construíram ao longo de suas histórias. A prepotência de nossas
sociedades urbanas e modernas, com uma economia que explora recursos sem
reconhecer os limites da Casa Comum, coloca em risco não apenas a continuidade
da vida na Amazônia, mas de toda a humanidade.
No
Brasil, a economia de Francisco é também chamada de economia de Francisco e
Clara, porque reconhece a presença das mulheres na construção de novas
economias. Santa Clara foi companheira de São Francisco de Assis na
contemplação, no cuidado com os empobrecidos e empobrecidas e no amor a todos
os seres da Casa Comum. Os novos pactos para “realmar” a economia e cuidar da
Amazônia precisam fortalecer as experiências que nossas comunidades estão
realizando junto com mulheres, jovens, associações, empreendimentos solidários.
Na
Amazônia e em outros biomas, a economia de Francisco e Clara já é uma realidade
porque as pessoas estão organizadas para produzir e comercializar a partir da
economia solidária, da agroecologia ou experiências pilotos de transição
energética. A Igreja Católica no Brasil, através de vários dos seus organismos,
sempre acompanhou esses grupos e agora, inspirada pelo Papa Francisco e atenta
às urgentes demandas sociais, quer contribuir ainda mais para transformar a
realidade e promover justiça socioeconômica com distribuição justa de renda, sem
jamais destruir a Amazônia e outros biomas.
Por
isso, a Igreja continuará acompanhando e exigindo dos governos que adotem
medidas de cuidado integral com a Amazônia e toda a Casa Comum, especialmente
nesse momento histórico em que são discutidos diversos projetos de lei e outras
políticas públicas para superar a crise econômica agravada pela pandemia do
novo coronavírus. A economia não deve ser um emaranhado de números ou uma
promessa de desenvolvimento a qualquer custo, mas antes de tudo um serviço para
promover a justiça e superar as desigualdades sociais, sem jamais esquecer que
para isso precisamos de salvaguardar o meio ambiente e toda a sua
biodiversidade.
Que
o exemplo de São Francisco de Assis e Santa Clara inspire-nos a ser cuidadores
e cuidadoras da vida e promotores de uma nova economia.
Dom
Cláudio Hummes, em 03/06/2021 às 17:28hs
Presidente
da Comissão Episcopal para a Amazônia da CNBB
Sob
a Inspiração do Papa