Relatório da ONU alerta
para risco iminente da sexta extinção em massa do planeta
Em 2010, durante uma
conferência no Japão, foram estabelecidas 20 metas internacionais de
biodiversidade a serem implementadas até 2020. Ao todo, 193 países haviam se
comprometido a trabalharem juntos para colocar as chamadas Metas de Aichi em
prática. Agora, um relatório publicado pela Convenção da Biodiversidade (CBD)
da ONU revelou que o mundo fracassou nessa missão.
O objetivo das metas era
proteger a flora e a fauna ameaçadas do mundo. De acordo com a ONU, sem colocar
as medidas em prática cerca de um milhão de espécies podem desaparecer nas
próximas décadas, ampliando o que os cientistas chamam de extinção do Holoceno.
O termo se refere ao sexto evento de extinção em massa do planeta, impulsionado
pela atividade humana.
Segundo o novo relatório,
as metas do Planejamento Estratégico para a Diversidade Biológica foram apenas
parcialmente cumpridas. Esse trabalho é uma das peças básicas para que a
CBD estabeleça uma nova série de objetivos para a próxima década, que seriam
adotados na 15ª reunião da Conferência de Paris, que acontecerá na cidade
chinesa de Kunming em outubro de 2021. "Este é o 5º relatório.
Esperava que, após quatro relatórios anteriores, o mundo tivesse aprendido a
lição e que no quinto tivéssemos resultados mais positivos do que os
apresentados”, afirmou a secretária executiva da Convenção da Biodiversidade,
Elizabeth Maruma Mrema, que também declarou que os resultados do relatório são
“decepcionantes e desconcertantes”.
Biomas em chamas
David Cooper, o principal
autor do relatório, disse que somente com medidas de conservação e restauração
não se poderá evitar que se produza a sexta extinção en massa de espécies no
planeta. Para ele, será necessária uma ação que envolva toda a economia. “Para
achatar a curva, temos que adotar fortes medidas no lado da produção e do
consumo”, afirmou.
Uma das medidas
obrigatórias, segundo ele, seria a eliminação de subsídios governamentais a
setores que causam danos ao meio-ambiente. Seriam necessárias mudanças em
diversas atividades humanas, agrupadas em oito “transições” em outras tantas
áreas: terras e florestas, agricultura, sistemas alimentares, pesca e oceanos,
cidades e infraestrutura, água doce, ação climática e saúde.
Os autores do relatório,
entretanto, apontam que os esforços de conservação nas últimas décadas também
apresentaram resultados positivos. Segundo eles, 48 espécies foram salvas da
extinção, o que eles consideram como um sinal de esperança.
Coordenador da Funai morre após levar flechada no
tórax em Seringueiras, Rondônia
Os
indígenas isolados que vivem no território Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia têm a
migração como forma de sobrevivência. Um dos trabalhos de Rieli Franciscato,
que morreu nesta quarta-feira (09/09/2020) após ser atingido no tórax por uma
flecha, era monitorar essa circulação à distância (veja mais no vídeo acima).
Rieli
tinha 56 anos e era coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental
Uru-Eu-Wau-Wau, que pertence à Fundação Nacional do Índio (Funai).
Junto
com o amigo Roberto de Barros Ossak, que é agente da Pastoral da Terra e
pesquisa o direito agrário na região, Rieli fez uma expedição no território
Uru-Eu-Wau-Wau para entender o motivo dos indígenas circularem do interior
da reserva para áreas afastadas do núcleo. O encontro do indigenista com
membros da tribo ocorreu perto de um acesso viário conhecido como Linha 6,
em Seringueiras (RO).
O grupo
que disparou a flecha contra Rieli é formado por5 indígenas,
segundo testemunhas. Eles são identificados como Isolados do Cautário(nome
de um rio da região). Não se sabe a quantidade total de pessoas que compõem
esse povo indígena.
O
trabalho de Rieli era justamente tentar conscientizar a população sobre a
importância da preservação da reserva para que os povos continuassem no
interior da mata.
Rieli Franciscato foi morto após ser atingido por
flechada em Seringueiras - Foto: Roberto de Barros/Arquivo pessoal
Ao G1,
Ossak explicou que a circulação dos indígenas está diretamente ligada às
invasões de território, principalmente na região de Buritis, Parecis e Campo
Novo: "Estão vindo para a borda em busca de alimentos. Eles são
coletores, não cultivam, então precisam migrar de uma região para a outra
coletando alimentos, como: castanha, mel, açaí".
A
partir da expedição, segundo o pesquisador, foi possível notar que as
invasões começam pelos madeireiros e depois por latifundiários que querem
desmatar a região para criação de gado. Também há a ação
de garimpeiros.
Em
maio, a Funai e a Polícia Federal flagraram um garimpo e atos de extração de
madeira no entorno da terra indígena, no município de Campo Novo de Rondônia.
Ninguém foi preso.
Barracas montadas por garimpeiros foram encontradas
durante fiscalização da Polícia Ambiental e Funai em terra indígena de
Rondônia. — Foto: Divulgação/Associação Kanindé
A
Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau é uma área habitada por 9 povos indígenas. No ano
passado, ela
ficou entre as 10 terras mais desmatadas do país. Com 1,8 milhão de
hectares de área, a Uru-Eu-Wau-Wau já perdeu 42,54 km² entre 2008 e
novembro de 2019, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe).
Terra
indígena Uru-Eu-Wau-Wau — Foto: Juliane Souza/G1
A
análise de Ossak é que o avanço das invasões fez com que os indígenas ficassem
acuados no centro da terra indígena.
"No
período que eles ficaram reclusos ao centro, começou a faltar alimento. Então,
agora eles estão retornando às bordas. Essa é minha análise enquanto técnico
agrícola. A falta de alimento é o que vai ocasionando que os indígenas venham
para a borda da reserva, onde tem mais caça, mais fartura de alimento. E é na
borda que eles são avistados", diz o especialista.
Para
a Associação Etnoambiental Kanindé, também colaborou para ação o fato de os
indígenas isolados não saberem a distinção entre defensor e inimigo. O
entendimento em caso de contato com não membros é que o território do grupo
"está sendo invadido e os índios estão tentando sobreviver".
Vídeo
fala sobre a política de respeito aos indígenas isolados.
Investigação
O G1 teve acesso à averiguação policial que detalha a chegada dos indígenas às proximidades do acesso viário conhecido como "linha 6" em Seringueiras.
Vídeo fala sobre a investigação da morte de Rieli Franciscato
Segundo o documento, por volta das 10h desta quarta (09/09/2020), um morador da área estava sentado na frente de sua casa quando olhou para o pasto que faz divisa com a Funai e viu cinco indígenas não contactados, despidos e se deslocando com cautela no sentido da casa de um homem conhecido como Monteiro.
"Eles
estavam em formação de leque, e os dois da ponta estavam portando arcos
aparentemente para caça", lembrou.
O
morador disse que vive no local há 25 anos e é a primeira vez que avista os
indígenas naquela região.
Quando
a polícia foi informada sobre esse relato, acionou Rieli para, na condição de
representante da Funai, auxiliar o monitoramento. A partir disso, eles
adentraram na região seguindo as pegadas dos indígenas. A intenção era fazer um
trabalho, à distância, mas Rieli acabou sendo visto e atingido com uma flecha
no peito.
Ouça o relato do policial Paulo Ricardo Bressa, amigo de Rieli, narrando os
momentos que antecederam a morte
Indígenas
foram avistados em junho
Em
junho deste ano, um grupo de indígenas isolados foi visto por uma dona de casa
no quintal de um sítio em Seringueiras. Eles
trocaram uma carne de caça por uma galinha e levaram um machado. A
moradora Gabriella Euvira Moraes disse que correu para o banheiro e filmou a
visita.
"Eu nem cheguei a sair ou me colocar para fora. Eu vi pela fresta na porta e vi um homem parado. Foi quando prestei atenção, e ele estava sem roupa. Nisso que eu me escondi, escutei três homens chegando perto da casa e conversando. Não dava para entender nada. Eles andaram ao redor da casa", contou Gabriella na época.
Segundo a Kanindé, esse é o mesmo grupo que Rieli cruzou antes de ser atingido.
Moradora
de Seringueias se depara com grupo de indígenas que vivem isolados
Protetor
dos índios
Rieli
Franciscato, de 56 anos, morreu na quarta após ser atingido no tórax por uma
flecha de bambu, de 1,5 metro, disparada pelos indígenas. Logo que foi
atingido, houve uma tentativa de socorro, mas o sertanista chegou morto ao
hospital.
Ele
era uma das grandes referências nos trabalhos de proteção aos indígenas
isolados da Amazônia. O coordenador defendia o não contato com o grupo e atuava
para evitar um conflito com a população local. Também fez parte da equipe que
demarcou a primeira terra exclusiva para indígenas isolados.
Indigenistas contam como foi a morte de Rieli Franciscato, especialista em índios isolados
É difícil saber a quem pertence cada
parte dos mais de 5 milhões de quilômetros quadrados da região. Uma
consequência de dois séculos de ocupação e exploração desordenadas, algo que se
estende até hoje.
Vista
aérea de ônibus em estrada margeada por florestas destruídas. Rodovia
Transamazônica, uma tentativa de integrar a Amazônia
Uma fragilidade na gestão do
território da Amazônia Legal, que se estende por 5,2 milhões de quilômetros
quadrados, é saber quem é o dono de cada parte daquela terra. Apesar do avanço
de tecnologias de georreferenciamento e gestão de informação, ainda não há no
Brasil um sistema unificado com dados espaciais e cartorários sobre essas
terras. Além disso, parte das áreas públicas na região ainda não teve sua
finalidade definida, e outra parte sequer foi registrada.
O Incra (Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária), órgão federal responsável pelo ordenamento
fundiário nacional, estima que na Amazônia Legal existam 450 mil quilômetros
quadrados de terras públicas federais não destinadas, área equivalente a 1,3
vez o território da Alemanha. Essas glebas podem vir a ter funções variadas,
como terras indígenas, unidades de conservação, quilombos, áreas militares,
assentamentos de reforma agrária ou terrenos particulares.
Além disso, normas e fiscalização
ineficazes sobre o registro cartorário de terras favoreceram a multiplicação de
títulos fraudulentos. Em 2009, uma análise de cerca de 10 mil matrículas de
imóveis suspeitas do Pará concluiu que eles, somados, representavam uma área de
4,9 milhões de quilômetros quadrados – ou quatro vezes o tamanho total do
estado, segundo Jerônimo Treccani, professor de direito da Universidade Federal
do Pará que participou do levantamento.
Raízes históricas
O caos fundiário na região da
Amazônia se explica parcialmente pela história da ocupação de terras no Brasil.
Entre a Independência, em 1822, e a Lei de Terras de 1850, houve uma política
de acesso livre à terra – os interessados a ocupavam e, depois, pediam a
regularização ao governo do Império. Isso beneficiou fazendeiros ricos, que
usavam mão de obra escrava para estabelecer o domínio territorial.
Após a proclamação da República, a
responsabilidade de organizar os registros fundiários passou para os governos
estaduais, que criaram suas próprias normas e órgãos para regular o tema. A
partir de 1970, com a criação do Incra, o governo federal voltou a ser
responsável pela gestão fundiária de parte do território, e normas e critérios
de medição diferentes passaram a coexistir, o que perdura até hoje.
Outro problema foi o modelo jurídico
de ocupação da Amazônia adotado pelo regime militar, que estimulou a migração
para a região com o objetivo de proteger esse território de supostas ameaças
estrangeiras e desenvolver a economia do país.
Fragilidade jurídica na ditadura
Sob os militares, terras de tamanhos
variados na Amazônia foram concedidas a particulares, mas eles não recebiam o
título de propriedade. No lugar, o governo dava a esses posseiros uma licença
de ocupação, vinculada ao cumprimento de certas condições por determinado
período, como produção agrícola ou desmatamento de percentual da área. Nesse
regime, o título de propriedade seria concedido apenas após alguns anos e se as
cláusulas tivessem sido cumpridas.
Amazônia
brasileira: uma história de destruição. Assistir ao vídeo 02:59
Contudo, o poder público não manteve
a estrutura administrativa necessária para fiscalizar essas condições e
conceder os títulos posteriormente, e os ocupantes das terras passaram a
realizar transações informais para transferir o controle dessas áreas. Segundo
Treccani, cerca de 100 mil licenças de ocupação foram concedidas na Amazônia
durante a ditadura, mas a conversão delas em propriedade efetiva "foi
muito baixa". Esses processos se acumularam, e muitos ainda não tiveram
sua situação resolvida.
A principal estratégia de ocupação da
Amazônia foi a abertura de estradas no modelo "espinha de peixe": às
margens das rodovias, em 100 quilômetros para ambos os lados, eram concedidos a
particulares, com ramais aberto mata dentro. Segundo o projeto do regime
militar, os lotes à beira da rodovia seriam menores, de 100 hectares, e
destinados à agricultura familiar. Atrás dessa primeira fileira, haveria lotes
de 500 hectares. Por fim, no fundo dessas faixas, ficariam os lotes maiores, de
3 mil hectares.
Segundo Treccani, esse modelo durou
pouco. Com os problemas enfrentados pela principal rodovia aberta na época, a
Transamazônica, que ficava fechada durante metade do ano por causa de condições
climáticas, e a redução da estrutura do Incra a partir do final da década de
1970, muitos camponeses decidiram deixar seus lotes e o repassaram a outros
posseiros. "Hoje você tem as grandes fazendas na beira da estrada, e os
colonos, lá no fundo", diz.
A falta de segurança jurídica e de
registros precisos também acabou por estimular conflitos de terra, com grandes
grileiros tentando se apropriar à força de terras ocupadas por camponeses ou
populações tradicionais que não detêm o título de propriedade sobre as áreas.
Tentativa de regularização
Uma iniciativa para reduzir o
problema fundiário na Amazônia se deu a partir de 2009, com o programa Terra
Legal, que teve apoio da Alemanha, através do Ministério para Cooperação
Econômica e Desenvolvimento.
Gráfico
mostra desmatamento em estados da Amazônia
O programa tinha três objetivos
principais: definir a destinação de áreas públicas federais na Amazônia, emitir
títulos de propriedade para regularizar a situação de pequenos posseiros na
região e fazer um mutirão de georreferenciamento das glebas.
Em dezembro de 2018, o programa havia
emitido cerca de 41 mil documentos fundiários, correspondentes a mais de 150
mil quilômetros quadrados de terras públicas. Desse montante, foram concedidos
24 mil títulos de propriedade para produtores rurais, em sua maioria
agricultores familiares, em uma área de cerca de 17 mil quilômetros quadrados.
No governo Bolsonaro, o Terra Legal
foi extinto e o Incra assumiu a regularização fundiária na região. O órgão
afirma que há hoje cerca de 105 mil processos de regularização fundiária na
Amazônia Legal com o georreferenciamento pronto que aguardam análise.
Lacunas nos registros
O sistema de registro fundiário no
país começou a melhorar apenas a partir de 2001, quando uma nova lei exigiu que
os proprietários registrassem suas terras em cartórios da mesma comarca onde a
gleba estava e com o georreferenciamento dos novos registros.
Porém, ainda não há um sistema
unificado que reúna a delimitação geográfica dos terrenos e o status jurídico
da terra registrado em cartório. Além disso, os governos federal e estaduais
não têm clareza de quais áreas estão integradas ao patrimônio público.
No Pará, por exemplo, apenas 20 das
623 áreas incorporadas ao patrimônio do estado nos últimos 30 anos estão no
Sigef (Sistema de Gestão Fundiária), um sistema federal que registra as
informações georreferenciadas de limites de imóveis rurais, segundo Treccani.
Parte das áreas públicas federais também ainda não foi registrada em cartório.
Essa ausência de registro de áreas
públicas favorece que particulares tentem declarar como suas partes desses
terrenos. Na nova sistemática de regularização fundiária federal, estabelecida
em dezembro de 2019, áreas públicas poderão ser transferidas a particulares sem
vistoria no local, somente a partir da análise dos documentos apresentados pelo
interessado e cruzamento de dados com outros sistemas do governo.
Evolução
populacional na Amazônia
"Se eu posso declarar onde eu
estou, mas o governo não tem conhecimento pleno daquilo que foi incorporado ao
patrimônio público, é provável e quase seguro que o pretendente poderá estar
localizado em terras nas quais o Incra ou os governos estaduais não tenham
informações seguras do ponto de vista documental e espacial, e é muito possível
que haja titulação [aos particulares] de áreas que já foram tituladas [como
pertencentes ao poder público] no passado", diz Treccani.
Em nota à DW Brasil, o Incra afirma que
está desenvolvendo um novo sistema informatizado para conduzir os pedidos de
regularização fundiária que incluiu o cruzamento com outros sistemas do governo
federal. O órgão também diz que uma nova versão do Sigef, mais moderna e
integrada a outras bases de dados, está em fase de testes e deve entrar em
funcionamento até o final de fevereiro [2020].
Em maio de 2016, a então presidente
Dilma Rousseff editou um decreto determinando a criação de um novo sistema, o
Sinter (Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais), que reuniria
todas as informações dos serviços de registros públicos de imóveis, incluindo
dados jurídicos registrados em cartórios, informações fiscais apuradas pela
Receita Federal e limites georreferenciados de sistemas municipais, estaduais e
federais, mas sua implementação ainda não foi concluída.
Mudanças recentes
No início, o Terra Legal tinha o
intuito de priorizar a concessão de títulos a pequenos proprietários que
estavam em terras públicas antes de 2004. O programa dispensou a realização de
vistoria em áreas de até quatro módulos fiscais (cerca de 320 hectares em
alguns municípios na Amazônia), concedeu o direito de pedir o título a quem
estivesse nessas áreas antes de 2004 e definiu o limite de 1.500 hectares como
tamanho máximo do terreno a ser regularizado.
Ao longo do tempo, mudanças nas
regras ampliaram o limite de área que poderia ser regularizada e empurraram a
data limite da ocupação para mais adiante. Sob o governo Michel Temer, o
programa foi estendido a todo o país, o tamanho máximo da área foi ampliado
para 2.500 hectares e o prazo de ocupação foi adiado para julho de 2008.
Bolsonaro estabeleceu novas regras na
medida provisória 910/19, editada em dezembro. A norma já está em vigor, mas
para virar lei deve ser votada no prazo de 120 dias pelo Congresso, que pode
alterar ou derrubar o texto. O dispositivo dispensa a vistoria de pré-regularização
para áreas de até 15 módulos fiscais (1.400 hectares em alguns municípios na
Amazônia) e estende o prazo de ocupação para até dezembro de 2018 se o
solicitante pagar o valor máximo pela terra.
Em setembro de 2019, também foi
criado o Comitê Gestor de Regularização Fundiária na Amazônia Legal, que tem
recursos provenientes do Fundo da Petrobras para atuar na titulação e
regularização fundiária. Segundo o Incra, porém, a mudança na direção do órgão
em outubro de 2019 atrasou o início dos trabalhos do comitê, que ainda não
tomou nenhuma medida concreta.
Maior produtor do grão do país, Mato Grosso
vive alta de desmatamento e de ilegalidade. Na safra 2018/2019, 64% das novas
áreas plantadas estavam no bioma amazônico.
Plantação de soja no Mato Grosso. A soja ocupa 10 milhões
de hectares do Mato Grosso.
Nos campos de soja de Mato Grosso, a temporada
de colheita da planta está no fim. Parte da safra, com previsão de render 34
milhões de toneladas, já começa a embarcar rumo ao principal consumidor: China.
Em Sorriso, norte do estado, o grão enche os silos, as construções mais altas
da cidade. De lá até Sinop pela BR 163, lavouras contínuas de soja se estendem
por quilômetros, ocupando até terrenos na área urbana – ao lado de
restaurantes, casas e centros de compras.
No principal estado produtor do país, o
plantio de soja ocupa 10 milhões de hectares, área maior que Portugal. "O
Mato Grosso se desponta devido à estabilidade do clima, tem as estações de
chuva e de seca", afirma Tiago Stefanello, presidente do Sindicato Rural
de Sorriso e representante da Associação dos Produtores de Soja e Milho do
Estado de Mato Grosso (Aprosoja).
Em 2019, Mato Grosso também se destacou em
outro ranking. Depois do Pará, o estado é o segundo maior responsável pelo
desmatamento da Floresta Amazônica. Medições feitas pelo Instituto de Pesquisas
Espaciais (Inpe) no programa Prodes, que verificou o desmatamento anual de
julho de 2018 a agosto de 2019, mostram um aumento de 25% nas taxas de
desmatamento em relação ao período anterior.
A produção de soja na Amazônia. Assistir ao vídeo
09:03.
A ilegalidade predomina: em 85% das áreas, o
corte foi clandestino. "Mais da metade do desmatamento (56%) aconteceu em
grandes propriedades rurais. Foram desmatamentos grandes, facilmente detectados
pelo sistema de monitoramento via satélite", comenta Vinícius Silgueiro,
coordenador de Geotecnologias do Instituto Centro de Vida (ICV).
Questionado sobre uma possível relação entre
desmatamento e expansão da soja, Stefanello diz não acreditar nas taxas divulgadas
pelo Inpe. "Tem um monte de parque, de terra indígena que queima e colocam
tudo na conta do produtor", responde à DW Brasil.
Onde o corte da floresta foi autorizado, não
há dúvidas sobre a intenção de quem desmatou. "Os municípios que lideram o
desmatamento legal estão na zona de expansão da soja. É quem tem dinheiro para
viabilizar as emissões de autorizações e licenciamento de forma mais
rápida", complementa Silgueiro.
Relações indiretas
Pesquisadores rastreiam há décadas a ligação
entre o sumiço da Floresta Amazônica e a expansão da soja e apontam que,
atualmente, a conversão direta da mata nativa em área de cultivo é menos comum
que em períodos anteriores à Moratória da Soja. Declarada em 2006, os
signatários do acordo firmaram o compromisso de não comprar soja de áreas
desmatadas.
"A influência da soja nessa dinâmica pode
ser entendida como indireta, porque seu avanço sobre as pastagens pode
estimular o avanço da pastagem para as florestas", comenta Nathália
Nascimento, que acaba de publicar um artigo sobre a pesquisa desenvolvida no
Inpe.
Infográfico da Produção Global de Soja.
"Alguns estudos recentes apontam que, com
a soja ocupando áreas de pastagens, a pecuária busca novos espaços e leva a
mais desmatamento", pontua Nascimento. "Mas isso também depende do
contexto da região", ressalta.
Stefanello afirma que entre os associados
produtores de soja de Sorriso "muito raramente se fala em abertura
ilegal". "O que a gente nota e vê, é que a soja está indo para as
áreas que eram de pecuária. As pecuárias extensivas que, nos anos anteriores
faziam as queimadas, jogavam pasto para o boi, hoje a viabilidade da
agricultura é melhor que a pecuária", responde.
De uma forma ou de outra, a lavoura segue rumo
à floresta. Na safra 2018/2019, 64% das novas áreas plantadas no Mato Grosso
foram no bioma amazônico, somando 144 mil hectares, segundo mapeamento feito
pela Universidade Estadual de Mato Grosso, disponível para consulta pública.
Avanço pelo portal
Nomeada a capital do agronegócio brasileiro
por decreto federal, Sorriso está no chamado portal da Amazônia. Nesta área de
transição entre cerrado e bioma amazônico, o projeto de ocupação populacional
iniciado no governo militar atraiu majoritariamente agricultores do sul do
país.
Vista aérea de campos de plantação. Plantação
de soja na Amazônia: pesquisadores rastreiam há décadas a ligação entre o
sumiço da floresta e a expansão da soja.
"Esses colonos foram assentados nessa
região, e não teve nenhuma política de assentamento, de treinamento dessas
pessoas. O que eles tinham de riqueza era a floresta", pontua Domingos de
Jesus Rodrigues, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
"Então tiraram a madeira, depois veio a pecuária e, mais tarde, a
soja."
A família de Stefanello chegou nessa época.
"As famílias eram obrigadas pelo governo a abrir ou perdiam a terra. Hoje
a gente é obrigado a preservar", argumenta.
Foi na década de 1990 que a soja iniciou sua
soberania. O trabalho de pesquisa e adaptação de espécies feito pela Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) foi fundamental para que o estado
se tornasse o maior produtor nacional na safra 2000/2001.
Pressão sobre a agroecologia
Na contramão deste cenário, a poucos
quilômetros de Sinop – que também se considera capital do agronegócio e está
dentro da Amazônia – os moradores do assentamento 12 de outubro tentam levar a
agroecologia adiante.
"Como a gente está nesse local, o portal
da Amazônia, a gente tinha mais esperança de produzir de forma saudável",
afirma Marciano Manoel da Silva, assentado ligado ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Produtor de hortaliças e vegetais sem uso de
agrotóxicos, Silva diz que o assentamento sofre constantes ameaças. "Nós
sentimos o cheiro do veneno que é passado ao redor, nas fazendas, de avião. O
assentamento a todo momento está sendo seduzido pelo agronegócio, com falsas
promessas de pessoas para arrendar sítio e plantar soja", detalha.
Futuro de bom senso
Do campus de Sinop da UFMT, a bióloga Ana
Lúcia Tourinho acompanha o mapa do desmatamento com preocupação. "Nós
estamos vendo a fragmentação da Amazônia, aumento do desmatamento e do fogo. A
perspectiva não é positiva, mas de perdas drásticas", analisa.
Tourinho ressalta que essas perdas acabam
reduzindo os próprios serviços prestados pela floresta à economia do país.
"A mata nos presta serviços como o de polinização, onde a vida segue
acontecendo livremente, sem que a gente precise pagar por isso", detalha.
Além disso, frisa a bióloga, é preciso
considerar a íntima ligação entre floresta e produção de água. "As árvores
tiram a água do fundo, de graça, e devolvem para a atmosfera", explica,
fazendo menção à origem de boa parte das chuvas que caem na região.
O pesquisador da UFMT Domingos de Jesus
Rodrigues é categórico: "Se a floresta desaparecer, vai ser uma perda
muito grande, principalmente para a população humana. Porque nós teremos
desertificação, redução de chuvas, aumento de calor, e isso contribuirá
negativamente para a sobrevivência dessas populações", resume as
principais conclusões de estudos científicos feitos nas últimas duas décadas.
O bom senso, defende, é que dois lados
dialoguem. "Porque precisamos de alimento, mas também precisamos da
preservação ambiental", afirma. "A preservação da floresta garante a
sustentabilidade do agronegócio", resume.
Especialistas
apontam que 50% da madeira retirada do bioma têm origem ilegal, e grande parte
é destinada ao mercado nacional. Além de impactos ambientais, a exploração
caminha lado a lado com violência.
Caminhão leva madeira retirada da floresta. Parte
da madeira explorada ilegalmente na Amazônia é retirada de áreas protegidas.
A
chacina em que morreram nove trabalhadores rurais no município de Colniza (MT),
em abril de 2017, virou notícia no Brasil e no exterior. Ordenada por um
madeireiro conhecido, a emboscada pretendia expulsar os moradores do local e
abrir caminho para a exploração ilegal de madeira na região.
Meses
depois, um relatório da ONG Greenpeace revelou que as madeireiras do acusado de
ser o mandante do massacre – que mais de dois anos depois do crime continuava
foragido – operavam normalmente, inclusive a Madeireira Cedroarana que
processava madeira para exportação. Apesar da chacina e de indícios anteriores
do envolvimento da empresa na exploração ilegal, nos quatro meses após o crime,
pelo menos 11 carregamentos foram enviados para os Estados Unidos e a Europa. Na
época, entre os seus principais clientes figuravam os EUA, Alemanha, França,
Holanda, Dinamarca e Bélgica.
O
massacre de Colniza é apenas um entre tantos outros casos da violência
enraizados na exploração ilegal de madeira na Amazônia. A dificuldade de
rastreamento da origem desta madeira, que acaba sendo legalizada ao longo de
sua cadeia produtiva por meio de fraudes e falta de controle, impulsiona um
negócio lucrativo e altamente destrutivo.
A
Interpol estima que o comércio de madeira ilegal global movimente entre 51
bilhões e 152 bilhões de dólares por ano, ou seja, entre 208 bilhões e 622
bilhões de reais. Um estudo do Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia
(Imazon) de 2016 indicou que, entre 2008 e 2015, um volume equivalente a 590
milhões de reais de madeira, levando em conta o valor da árvore em pé na
floresta, foi retirado ilegalmente de Unidades de Conservação na Amazônia.
Mercado
interno é o principal consumidor
Embora
a exportação costume chamar mais atenção, o principal destino da madeira
amazônica é, de longe, o mercado interno, que absorve cerca de 70% da produção.
Entre as espécies mais cobiçadas estão ipê, mogno (ameaçada de extinção),
cedro, jatobá e maçaranduba. Além de móveis, elas são usadas na construção, na
fabricação de embarcações e em pisos.
Infográfico do desmatamento na Amazônia brasileira.
Especialistas
estimam que mais da metade da madeira amazônica comercializada tenha origem
ilegal. Um estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da
Universidade de São Paulo (Esalq/USP), confirmou uma superestimação no volume
de árvores de determinadas espécies em planos de manejos florestais já
licenciados, além de erros na identificação de espécies, o que gera créditos
falsos de movimentação de madeira.
"Há
vários estudos sobre o tema, mas, de maneira geral, todos concluem que mais de
50% da madeira produzida na Amazônia tem origem ilegal", afirma Carolina
Marçal, da campanha para a Amazônia do Greenpeace.
Fraudes
para regularizar madeira ilegal
Fraudes
e falta de controle na documentação impulsionam o "aquecimento" do
produto ilegal. Segundo André Campos, coordenador de pesquisa de cadeias
produtivas da ONG Repórter Brasil, há uma série de maneiras de burlar o sistema
de documentação e controle para legalizar a exploração ilegal.
Entre
as fraudes mais comuns está a aprovação de planos de manejo que não condizem
com a realidade da área, devido, por exemplo, à quantidade errada de árvores
listadas ou ao fato de a área já ter sido completamente desmatada.
Teoricamente, o aval da proposta dependeria de uma avaliação, que nem sempre é
realizada ou envolve a corrupção de agentes públicos.
A
partir deste plano de manejo, os madeireiros recebem créditos florestais
correspondentes para a venda da madeira explorada. Campos relata que nesta
etapa já houve inclusive casos de ação de hackers para adicionar créditos
fictícios a empresas produtoras.
Amazônia brasileira: uma história de destruição. Assistir ao vídeo
02:59.
"O
produto vem acompanhado de uma documentação que, teoricamente, atesta a sua
legalidade, mas, devido a todos esses processos de fraude e falta de controle,
há baixa confiabilidade na comprovação documental. No fundo desse funil, ainda
é difícil saber a real origem desta madeira, pois ela passou por várias mãos
desde a exploração até a venda", explica Campo. "A ilegalidade entra
no mercado legal por conta desta falta de políticas de rastreabilidade",
acrescenta.
Parte
da madeira explorada ilegalmente é retirada de áreas protegidas, como unidades
de conservação e terras indígenas, e costuma vir acompanhada de violência e
morte, como no caso de Colniza. Além de conflitos sociais, essa extração
predatória também tem impactos ambientais.
"Quando
não há um manejo sustentável adequado ocorre a degradação da floresta, que traz
um prejuízo para o equilíbrio daquele ecossistema", diz Marçal.
Problema
para quem respeita a lei
Essa
atividade irregular também prejudica a exploração legal. "Quem está
fazendo tudo certo é quem mais sofre, pois quem age irregularmente acaba
vendendo a madeira mais barata por não ter os custos do manejo. Não tem como o
manejo ficar em pé se houver essa competição desleal", observa Edson Vidal,
especialista em manejo de florestas tropicais da Esalq/USP.
Segundo
os especialistas, os primeiros passos para coibir a exploração ilegal são a
revisão no processo de licenciamento e o monitoramento de toda a cadeia
produtiva até o produto final comercializado. Na primeira fase, Vidal sugere o
estabelecimento de métodos mais eficientes para a verificação de planos de
manejo, por exemplo, com a utilização de tecnologias de imagens. Outra opção
seria o teste de DNA da madeira como uma garantia ao comprador.
Para
que essas mudanças aconteçam, diz Marçal, o mercado e os consumidores têm um
papel fundamental de pressionar o Estado para garantir a aplicação de
procedimentos previstos pela lei e acabar com fraudes que possibilitam o
aquecimento da madeira ao longo de sua cadeia produtiva.
"Cabe
ao mercado exigir garantias de que a madeira não esteja atrelada à exploração
predatória da floresta, à violência e a mortes. O consumidor final deve tentar
comprar um produto que tenha minimamente garantia de procedência. A grande
responsabilidade, porém, continua sendo do Estado", acrescenta Marçal.
O
papel das certificações
Enquanto
esse cenário não muda, Marçal recomenda a certificação como meio de oferecer
garantias sobre a procedência da madeira. Vidal também considera esse modelo
interessante. Os dois pontuam, porém, a pouca quantidade de madeireiras
certificadas na Amazônia e seu baixo impacto num vasto mercado.
Vista aérea mostra toras cortadas ilegalmente
da floresta amazônica em Anapu, Pará.
Segundo
Aline Tristão, diretora executiva do FSC Brasil, das cerca de 2 mil empresas de
manejo florestal legal que operaram na região, apenas 15 são certificadas pela
FSC. "Menos de 1% da Amazônia brasileira está certificada", ressalta.
Por
ser uma adesão voluntária, ela acredita que o rigor e as exigências para
adquirir o certificado possam afastar muitos madeireiros. O FSC, Forest
Stewardship Council, é uma organização independente, não governamental, sem
fins lucrativos, criada para promover o manejo florestal responsável.
Campos,
por sua vez, é crítico das certificações. Além de haver casos de madeireiras
envolvidas em fraudes com produtos certificados, um dos principais problemas
seria a permissão para certificar apenas parte da produção. "Apesar de ser
interessante em diversos aspectos, o selo FSC é usado às vezes para vender uma
imagem que não corresponde ao grosso do que são os negócios de determinadas
empresas."
Tristão
pondera que existem mecanismos de controle para evitar o uso incorreto do selo
e que é possível garantir a separação de produção. Além disso, a diretora
executiva do FSC Brasil ressalta que, se forem comprovadas irregularidades, a
empresa perde a certificação. "O sistema FSC tem uma série de critérios, o
primeiro é atender às leis, não só ambientais, mas também sociais e
trabalhistas, além de acordos internacionais", defende.