Mostrando postagens com marcador Amazônia Indígena. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Amazônia Indígena. Mostrar todas as postagens

domingo, 21 de janeiro de 2024

Amazônia Ancestral (G1-Fantástico)

 

Amazônia Ancestral

 

A fascinante matéria exibida no "Fantástico" nos transporta para o coração da Amazônia, onde segredos ancestrais são desvendados sem comprometer a beleza e a integridade da floresta. Utilizando tecnologia avançada, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelou geoglifos e estruturas incríveis, testemunhos silenciosos de civilizações antigas.

A magia dessa descoberta está na habilidade de desenterrar o passado sem destruir o presente. Os geoglifos, marcados no solo, contam histórias de estradas, aterros e valas defensivas, demonstrando a presença de povos antigos e sua incrível maestria no manejo ambiental.

E a conexão global não poderia ser mais empolgante! As cicatrizes na floresta se entrelaçam com descobertas arqueológicas pelo mundo, transformando a Amazônia em um palco global de monumentalidade, como bem enfatiza a antropóloga Joana Cabral. Essa interseção entre ciência, cultura e preservação ambiental adiciona uma camada de significado, especialmente para aqueles engajados em projetos sociais e sustentáveis.

Imaginem como essas descobertas podem fortalecer missões voltadas para comunidades vulneráveis, enriquecendo não apenas o entendimento local, mas também a conexão global com o passado e o futuro. A Amazônia, agora mais do que nunca, se revela como um tesouro de histórias e possibilidades, onde o presente dialoga intensamente com o ontem.

 

Na íntegra:

Descobertas ocultas na Amazônia: geoglifos revelam civilizações antigas em meio à floresta

Sem precisar desmatar, pesquisadores do Inpe usam tecnologia que alia sensores de laser e satélites para mapear a superfície da floresta de maneira tridimensional. Para cientistas, marcas geométricas provam existência de civilizações organizadas na região amazônica séculos antes da chegada dos europeus.

Com uso de laser, pesquisa encontra construções humanas pré-colombianas na Amazônia.

A Amazônia reúne cerca de trezentas espécies de mamíferos, 1.300 de aves e 40 mil de plantas. Esses são alguns dos tesouros visíveis desse bioma. Mas entre raízes se escondem outras riquezas da floresta.

Por baixo de toda a biomassa da Amazônia – que soma 75 bilhões de toneladas – cientistas encontram geoglifos - grandes figuras geométricas marcadas no chão que descortinam sinais do passado há muito escondidos.

“Essas estruturas são várias coisas diferentes, elas são pedaços de estradas, são aterros, são valas que provavelmente tinham um papel defensivo pra proteger aquelas antigas aldeias ou o que a gente chama de assentamentos também, que eram aquelas grandes aldeias do passado”, explica Eduardo Neves, diretor do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP.

Para a arqueologia, essas marcas geométricas - que já eram visíveis em áreas desmatadas - provam a existência de civilizações organizadas vivendo na região amazônica séculos antes da chegada dos europeus. 


Geoglifos são grandes figuras geométricas marcadas no chão que descortinam sinais do passado há muito escondidos — Foto: Reprodução/Fantástico 


Sem precisar desmatar, pesquisadores do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) conseguiram identificar estruturas semelhantes escondidas na mata fechada.

Mesmo mapeando menos de 0,1% da área da Amazônia, a pesquisa - que virou artigo na revista Science - encontrou 24 geoglifos até então desconhecidos nos estados de Mato Grosso, Acre, Amapá, Amazonas e Pará.

 

Mas a estimativa é de que o número seja muito maior.

Com dados advindos de uma tecnologia chamada lidar, sigla em inglês que significa "detecção e alcance de luz" - um pequeno avião carrega um sensor que emite feixes de laser capazes de mapear a superfície do terreno de maneira tridimensional com a ajuda de satélites. 


As "cicatrizes" na floresta sugerem que os povos originários tinham conhecimento para fazer manejo de rios e da vegetação — Foto: Reprodução/Fantástico


Cicatrizes que revelam histórias

Debaixo da floresta, pesquisadores identificaram estruturas de áreas delimitadas, mais ou menos do tamanho de um quarteirão de uma cidade de hoje em dia, e estradas ligando uma estrutura a outra.

O que essas "cicatrizes" na floresta sugerem é que os povos originários tinham conhecimento para fazer manejo de rios e da vegetação. Só na área estudada, 53 espécies de árvores foram descritas como "domesticadas".

Semana passada, outro artigo publicado na revista Science revelou ruínas de cidades de 2.500 anos na selva da área equatoriana da Amazônia. No México, foi encontrada ano passado uma cidade maia com pirâmides e palácios - totalmente enterrada.

Essa revolução tem aproximado a arqueologia de outra área de estudos: a antropologia. Descobertas físicas possibilitam novas leituras sobre a cultura dos povos originários do território brasileiro.

“Quando arqueólogos olham para as pirâmides maias, para as ruínas incas, mesmo para o Egito, eles vão falar na ideia de monumentalidade. A gente pode pensar que a Amazônia é a grande monumentalidade que a gente legou dos povos que habitaram esse tempo. A monumentalidade está na própria floresta, na própria paisagem”, exalta a antropóloga da Unicamp Joana Cabral.


Por Fantástico

21 de janeiro de 2024. 21h34

globoplay.globo.com/v/12285771/

sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

Censo 2022 (G1)

 

Censo 2022:

Santa Isabel do Rio Negro, no AM, é a segunda cidade do Brasil com maior proporção de indígenas.

 

Indígenas em Santa Isabel do Rio Negro. — Foto: Divulgação/Foirn


O município de Santa Isabel do Rio Negro, no interior do Amazonas, tem a segunda maior proporção de indígenas do país, de acordo com dados do Censo de 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira (22).

Na cidade, que tem 14.164 moradores, 96,2% da população se autodeclara indígena — 13.625 pessoas.


Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas. — Foto: Divulgação


O município amazonense fica atrás apenas de Uiramutã, em Roraima, que tem a proporção de 96,60%, e é a cidade com maior proporção de indígenas do país.

Além de Santa Isabel do Rio Negro, São Gabriel da Cachoeira, Amaturá e São Paulo de Olivença estão no ranking das cidades com maior proporção de indígenas do país.

Veja o ranking:

Veja as dez cidades brasileiras com maior proporção de autodeclarados indígenas - Foto: Editoria de Artes/G1


População indígena no Amazonas

Amazonas concentra a maioria dos indígenas do país, com 28,98% da população. Os dados são do Censo 2022 e foram divulgados pelo IBGE.

Manaus, São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga, todas no Amazonas, têm o maior número de indígenas do país. No ranking das 10 cidades brasileiras com a maior quantidade de indígenas, o Amazonas tem mais três cidades: São Paulo de Olivença, Autazes e Tefé.

Além disso, Censo aponta que o Amazonas é o estado que possui mais indígenas residentes em terras indígenas.

De acordo com o Censo 2022, o Amazonas registrou 490.854 indígenas. O estado, onde a população total de pessoas cresceu 13,12% em mais de 10 anos, ocupa a primeira colocação do ranking.


Por G1 AM.

22 de dezembro de 2023 às 13h51.

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Amazonas: o Maior Rio do Mundo (G1)

 

Primeiro filme rodado na Amazônia passou quase um século desaparecido antes de ser recuperado 

 

Primeiro filme rodado na Amazônia passou quase um século desaparecido antes de ser recuperado.

O primeiro filme rodado na Amazônia passou quase um século desaparecido antes de ser recuperado há poucos meses do outro lado do oceano.

Amazonas — um dos maiores rios do mundo — é o protagonista desta relíquia do cinema mudo brasileiro. O primeiro longa-metragem produzido na Amazônia nunca foi exibido no Brasil. Silvino Santos, um português radicado em Manaus, começou as filmagens em 1918.

“Um dos cineastas pioneiros em se filmar a Amazônia e é um dos cineastas mais reconhecidos desse período na história do cinema brasileiro”, diz Sávio, pesquisador da UFPA.

Em dois anos, o cineasta registrou a cultura, o cotidiano e a biodiversidade amazônica. Como a comercialização de produtos da floresta no mercado do ver o peso, em Belém.  

O cineasta acompanhou a coleta de castanha, a produção de pirarucu e a pesca de peixe-boi — hoje, espécie ameaçada de extinção. O longa também mostra a Ilha do Marajó e a relação dos indígenas peruanos com a natureza. E, em Manaus, a imponência do Teatro Amazonas.

Quando o filme ficou pronto, em 1920, Silvino Santos encarregou um procurador de promover o longa-metragem na Europa. Mas pesquisadores descobriram que ele enganou o cineasta e passou a se apresentar como autor do filme. O longa-metragem foi vendido ilegalmente, recebeu até outro nome: “As Maravilhas do Amazonas” — e fez muito sucesso.

“A gente tem notícia que esse filme foi vendido para a Gaumont, que é uma distribuidora francesa e, a partir desse momento, esse filme começa a passar e ser exibido em diversos países, na França, na Itália, na Tchecoslováquia, na Espanha, na Inglaterra também, por quase uma década”, conta Sávio.

 

Primeiro filme rodado na Amazônia passou quase um século desaparecido antes de ser recuperado — Foto: Jornal Nacional/Reprodução


Klára Trsková trabalha na curadoria da Cinemateca de Praga, na República Tcheca. Era no acervo que estava a obra perdida de Silvino Santos. Por aqui, achavam que se tratava de um filme norte-americano.

“A minha colega Ivona ela é especialista no cinema mudo e ela viu que a estética dos filmes norte-americanos dos anos 20 não correspondia a este filme”, diz Klára.

A Cinemateca pediu ajuda de um curador italiano. Jay Weisseberg entrou em contato com o professor Sávio, no Brasil, e a verdade veio à tona, em 2023.

“Eu comecei a pesquisar e localizar documentos importantes, fotográficos, textuais, do que foi esse filme e dessa circulação na Europa. E foram esses documentos que permitiram essa identificação dessa cópia que foi achada na Cinemateca Tcheca”, conta Sávio.

O festival de cinema mudo Pordenone, na Itália, exibiu o filme e homenageou Silvino Santos. Pela primeira vez, o longa foi apresentado com o título original: Amazonas — o Maior Rio do Mundo.

“Foi realmente uma experiência impressionante e maravilhosa para mim se conectar com um filme tão importante para o Brasil”, diz o curador italiano Jay Weissberg.

“Todas essas imagens são um documento e têm um valor muito grande para a gente se compreender outras épocas e para a gente pensar também o nosso tempo. Que avanços a gente teve em termos de proteção da natureza, de relação com povos originários, é um documento muito importante para a gente pensar sobre essas diferenças entre as épocas”, diz Sávio Stocco.

 

G1

Jornal Nacional

23 de novembro de 2023 às 21h43

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Constituição Indígena (Agência Brasil)

 

Constituição brasileira é traduzida pela 1ª vez para língua indígena

Grupo de 15 indígenas fez a tradução para o nheengatu

 

Trinta e cinco anos após promulgada, a Constituição brasileira foi traduzida pela primeira vez para uma língua indígena: o nheengatu. Patrocinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a nova versão da Carta Magna foi lançada nesta quarta-feira (19) no município de São Gabriel da Cachoeira (AM), em uma cerimônia na maloca da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN).

Presente no evento, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, diz que a tradução marca um momento histórico. “Traduzir a Constituição para um idioma indígena é um símbolo do nosso compromisso de garantir que todos os povos indígenas tenham acesso à justiça e conhecimento das leis que regem nosso país, fortalecendo sua participação na vida política, social, econômica e jurídica”, explicou.

A Constituiçãoem nheengatu foi feita por um grupo de 15 indígenas bilíngues da região do Alto Rio Negro e Médio Tapajós, em promoção ao marco da Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032) das Nações Unidas. O último levantamento de línguas indígenas do Brasil registrou que as 305 etnias brasileiras mantêm vivos 274 idiomas no país, segundo o Censo de 2010.

“(As línguas) conseguiram sobreviver mesmo diante de sucessivos ataques desde o início do processo de colonização desse território, que já era casa de inúmeros povos indígenas antes de ser chamado de Brasil. Por isso, preservar e valorizar a diversidade linguística brasileira é fundamental para a construção de uma sociedade plural e inclusiva”, destacou a ministra do STF Rosa Weber.

Rosa Weber lança a primeira Constituição Federal traduzida em língua indígena - Fellipe Sampaio/SCO/STF

Os indígenas presentes na cerimônia comemoraram a tradução da Constituição. Lucas Marubo, do povo marubo, destacou que a tradução abre um precedente para que outros povos também tenham seus direitos traduzidos. “Momento histórico para os povos indígenas”, destacou. Já a tradutora Inory Kanamari, do povo kanamari, lembrou que é a primeira indígena da sua etnia a exercer a advocacia. “Estamos num país com diversidade imensa e não escuto nossas línguas nos espaços. A gente precisa fazer parte”, concluiu Inory.

Língua-Geral Amazônica

A presidente do STF Rosa Weber disse que a escolha da língua nheengatu se deu devido a importância dela para região amazônica. “Partiu da percepção de que esta língua historicamente permitiu a comunicação entre comunidades de distintos povos espalhados em toda a região amazônica, até a fronteira com o Peru, Colômbia e Venezuela, e chegou, segundo historiadores, a ser prevalente no Brasil, até ser perseguida e proibida”, explicou.

Chamada de Língua Geral Amazônica, o nheengatu é a única língua ainda viva hoje que descende do tupi antigo, tendo traços que a relacionam com o tupi falado na costa brasileira. “Aprendi que o nheengatu é uma língua do tronco do tupi-guarani e legou para a língua brasileira milhares de vocábulos, o nosso sotaque nasal e com prevalência de vogais, que em conjunto com a herança de outros idiomas indígenas e dos idiomas africanos, caracteriza a nossa língua como única e uma das mais ricas do mundo”, concluiu Weber.

Também participaram do lançamento da Constituição em Nheengatu a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, e a presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Joenia Wapichana.

 

Presidente do STF, Rosa Weber, ao lado da ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara - Fellipe Sampaio/SCO/STF


Com informações do Supremo Tribunal Federal (STF)

Edição: Aline Leal

Por Lucas Pordeus León

Repórter da Agência Brasil – Brasília

Publicado em 19 de julho de 2023 às 15:42h

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Educação Indígena: USP, FOIRN, NADZOERI (Jornal da USP)

 

USP assina acordo com associações indígenas para colaborar em escolas no Amazonas

 

São Gabriel da Cachoeira - Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real
 

Acordo de cooperação é resultado de 14 anos de parceria entre Faculdade de Educação e povos baniwa-koripako, da região do Rio Negro; atividades servirão à formação docente, assessoria local em política educacional e produção de novos conhecimentos de base intercultural

A Faculdade de Educação (FE) da USP celebrou um termo de cooperação técnica, não com universidades, mas com dois órgãos indígenas sediados em São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas. Trata-se da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e da Organização Baniwa e Koripako Nadzoeri – integrante da Foirn e responsável pelo Içana, território dos povos baniwa-koripako na região do Rio Negro. O foco da cooperação são ações de educação escolar indígena nessa região do Brasil.

Publicado no Diário Oficial em 2 de setembro de 2022, o acordo foi idealizado pelas associações indígenas em parceria com o Centro Universitário de Investigações em Inovação, Reforma e Mudança Educacional (Ceunir), da FE. Prevendo intercâmbios com docentes, pesquisadores, estudantes, técnicos e líderes das três entidades, o acordo também propõe ações conjuntas de pesquisa, ensino e extensão. Essas atividades servirão à formação docente, à assessoria local em política educacional e à produção de novos conhecimentos de base intercultural, em colaboração com as comunidades federadas à Nadzoeri e à Foirn.

Para o professor Elie Ghanem, coordenador do Ceunir, a importância da iniciativa é dupla. “Além de estender a capacidade de atuação da Feusp para fazer interlocuções, extensão e pesquisa no Alto Rio Negro brasileiro, traz para a atenção da faculdade a riqueza e atualidade dos conhecimentos, problemas e inovações que se podem encontrar nas escolas indígenas contemporâneas – objetos de atenção crescente nas mais diversas áreas de pesquisa científica”, afirma. Além disso, o professor ressaltou que “enquanto a cooperação acadêmica costuma se limitar aos arranjos entre instituições de educação superior, a parceria da FE com a Foirn e a Nadzoeri intensifica relações entre a USP e as organizações da sociedade civil, beneficiando uma rede com dezenas de escolas indígenas municipais e estaduais”.

O acordo tem duração de cinco anos, podendo ser renovado. “[O ato] reflete a intenção de uma parceria científica duradoura com esses grupos indígenas, já que as relações de colaboração que o documento reconhece foram impulsionadas – e impulsionaram – linhas de pesquisas em Educação Escolar Indígena”.

 

Padrão do catálogo de obras de Denilson Baniwa. Disponível neste link.

Trabalho de campo em 2018 na Escola Baniwa Eeno Hiepole, comunidade Canadá, bacia do Içana. Ao centro, em pé: Diana Pellegrini, Elie Ghanem e Antônio Góes Neto, pesquisadores do Ceunir. Ao centro, ajoelhado, Nelson Thomé Baniwa, então coordenador da escola, acompanhado dos colegas docentes e de estudantes do ensino médio - Foto: Arquivo Ceunir

 

Parceria formalizada

São Gabriel da Cachoeira, já alcunhada “a cidade mais indígena do Brasil”, situa-se no extremo noroeste do Amazonas (na região apelidada Cabeça do Cachorro) e faz fronteira com a Colômbia e a Venezuela. É o município de referência da chamada área etnográfica do Alto Rio Negro. Ali, vivem mais de 20 etnias e falam-se 19 línguas, num complexo sistema regional. Essa variedade de povos configura redes ancestrais de relações e trocas culturais, econômicas, matrimoniais, linguísticas, ecológicas, sociais e cosmológicas.

A colaboração da FE com órgãos indígenas e indigenistas de São Gabriel em temas de educação escolar e política educacional remonta a 2008, quando o professor Elie Ghanem, hoje coordenador do Ceunir, prestou assessoria à elaboração do Plano Municipal de Educação local. De acordo com informações do centro, havia intenso e qualificado apoio da prefeitura e de parceiros nacionais e internacionais para a criação de projetos escolares experimentais. Na época, a discussão se dava em nível comunitário para que os projetos fossem implantados nas escolas – todas indígenas – da ampla rede pública municipal. Essa experiência, com seus sucessos, dificuldades e transformações, veio a se tornar emblemática entre os casos-modelo da chamada “educação escolar indígena diferenciada”, bandeira reivindicada pelos grupos originários desde a Constituição de 1988.

Seguiram-se, a partir de 2011, pesquisas coordenadas por Ghanem, com fomento da Fapesp e do CNPq, das quais resultaram as primeiras dissertações, teses e artigos produzidos na convivência com escolas e comunidades kotiria, tuyuka, baniwa-koripako. O mais recente ciclo, realizado entre 2018 e 2021, destinado a identificar atores e condições-chave na seleção dos saberes a ensinar, envolveu cinco escolas baniwa-koripako do rio Içana e afluentes, além de ampliar comparações para escolas guarani de São Paulo e guarani-kaiowá, do Mato Grosso.

“As conversações levaram ao todo cinco anos. Os trâmites foram reanimados depois que se atravessaram os períodos mais difíceis da pandemia no Amazonas e em São Paulo. À distância, os laços se fortaleceram no enfrentamento solidário da crise e no luto diante da perda de eminentes lideranças do rio Negro pela covid-19, como foi o caso do diretor da Foirn Isaías Fontes, baniwa, que estivera presente e ativo nas reuniões preliminares sobre a cooperação”, afirmam os pesquisadores do Ceunir.

 

O professor Juvêncio “Dzoodzo” Cardoso faz a assinatura solene do Termo de Cooperação da Nadzoeri-Foirn com o Ceunir na Escola Baniwa Eeno Hiepole, comunidade de Canadá, rio Ayari, bacia do Içana - Foto: Lay Cardoso

 

Desenvolvimento Sustentável


Dos encontros na Maloca da Foirn, em fev. 2020, participaram lideranças baniwa como André Fernando, Juvêncio Cardoso, Isaías Jairo da Silva, Nelson Thomé, Isaías Fontes, Mônica Apolinário e Bonifácio José, além de outros professores e acadêmicos indígenas, dos pesquisadores do Ceunir e de parceiros convidados - Foto: Juvêncio Cardoso

 

Depois da publicação no Diário Oficial, as entidades inauguraram uma agenda de diálogo para detalhar os planos de ação de forma participativa. As partes devem buscar juntas fontes diversas para custear as atividades.

“Essa parceria tem a perspectiva de subsidiar e fortalecer a implementação de ações dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental dentro do território indígena, visando sempre o desenvolvimento territorial sustentável indígena, como parte da política nacional”, afirma o professor baniwa Juvêncio “Dzoodzo” Cardoso, coordenador da Nadzoeri. Ele se refere à Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) de Terras Indígenas, instituída pelo Decreto nº 7.747/2012. O primeiro PGTA dos Baniwa-Koripako, começado em 2015, foi concluído e publicado em 2021 e confere uma importância estratégica à educação escolar.

Cardoso lembra que o acordo surge de uma antiga e cuidadosa caminhada conjunta. “Todo esse processo de construção está de acordo com os nossos protocolos de consulta, respeitando as convenções da Organização Internacional do Trabalho e a consulta livre e esclarecida. Essa parceria resulta de um longo processo, e o mais importante é que ela vem pela demanda da Nadzoeri. Já existe um histórico de envolvimento”, lembra.

 

Próximos Passos

A jovem comunicadora baniwa Lainice Cardoso, de 13 anos, estudante do 8º ano na Escola Baniwa Eeno Hiepole – situada na comunidade Canadá, no remoto rio Ayari, afluente do Içana –, publicou fotos da assinatura do Termo de Cooperação nas redes sociais: “Os estudantes e professores da Escola Baniwa Eeno Hiepole comemoram o momento de assinatura do Termo de Cooperação Técnica e estão confiantes e esperançosos com essa construção de parceria. Estamos assim fazendo e marcando um novo momento na história da Educação Escolar Baniwa e Koripako, junto com os demais 23 povos indígenas do Alto Rio Negro”, escreveu.

O próximo marco deste desafio será o sexto FNEEI (Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena), que acontece de 30 de novembro a 3 de dezembro em Brasília, e entregará à equipe de transição do governo Lula suas reivindicações para as escolas indígenas diferenciadas. “Será a oportunidade de recuperar os recentes retrocessos, reconstruir e consolidar direitos, ouvindo as diferentes vozes do movimento indígena contemporâneo. Eventos como o Fórum expressam o grande empoderamento do movimento dos professores, lideranças e comunidades indígenas, que atualizam suas reivindicações e direitos educacionais, cada vez mais fortalecidos e instrumentados para uma interlocução qualificada com os poderes públicos e outros atores institucionais”, afirmam os pesquisadores do Ceunir.

“Para nós, é um privilégio e um constante aprendizado trabalhar nessa perspectiva fortemente participativa das parcerias com a Foirn e a Nadzoeri, porque os processos de consulta ampliada na formatação dos projetos só enriquecem tanto as vivências quanto o conhecimento produzido”, destaca Ghanem. Ele afirma que projetos de futuro nesta região elevam o desafio de produzir resultados científicos, institucionais e educacionais relevantes para essas populações.

Em São Gabriel, a iniciativa pretende lançar convites a professores, estudantes, lideranças, gestores educacionais, entidades parceiras, docentes universitários e pesquisadores. A ideia é desenvolver atividades que criem, com as redes locais de atores educacionais, espaços plurais de diálogo, estudo, qualificação profissional e debate científico e social.

 

Ceunir

Criado em 2015, o Centro Universitário de Investigações em Inovação, Reforma e Mudança Educacional (Ceunir), da FE, constituiu as linhas de ação e a rede de pesquisadores em um processo colaborativo. Em sua forma atual, o grupo tem mais duas linhas de investigação, além da Educação Escolar Indígena: as pesquisas em Educação e Direitos Humanos, e em Tendências em Inovação Educacional.

Os trabalhos de campo do Ceunir envolvem a prestação de assessoria a equipes escolares, bem como oficinas com docentes, lideranças, estudantes e outros públicos. As atividades são planejadas processualmente, em conjunto com os grupos locais. Essa abordagem, ao mesmo tempo em que fornece uma contrapartida mais direta à colaboração das comunidades nas investigações, cria novas chances de convivência, de compreensão, de observação participante e de coleta de informação.


Elie Ghanem é coordenador do Ceunir - Foto: Divulgação / IEA - USP

Saiba mais: https://www4.fe.usp.br

 

Jornal da USP

Tabita Said com informações de Diana Pellegrini e Elie Ghanem

28 de novembro de 2022.

segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Isolados: Último Remanescente (Brasil Repórter)

 Morre o último remanescente de um grupo indígena isolado na Amazônia

O homem morava na Terra Indígena Tanaru, no estado de Rondônia.


 


A Fundação Nacional do Índio (Funai) anunciou a morte, na última terça-feira (23), do indígena que vivia isolado na Terra Indígena Tanaru, no estado de Rondônia. Conhecido como o "Índio do Buraco", o homem foi o último remanescente de um grupo étnico não identificado que foi massacrado na década de 1990.  

O indígena era monitorado pela Funai há 26 anos. De acordo com a fundação, a equipe da Frente de Proteção Ambiental do Guaporé encontrou seu corpo em uma rede dentro da cabana onde morava. Um laudo pericial foi realizado pela Polícia Federal com a presença de peritos do Instituto Nacional de Criminalística de Brasília e o apoio de peritos criminais da cidade de Vilhena. A análise foi acompanhada por funcionários da Funai.

Não havia sinais de violência no local. "Os pertences, utensílios e objetos de uso habitual dos indígenas estavam em seus respectivos lugares. Dentro da cabana havia dois pontos de fogo perto de sua rede", diz a nota do órgão. Segundo a Funai, que lamentou profundamente a perda, a morte aparentemente ocorreu por causas naturais.

Os moradores isolados da região foram alvo de vários ataques durante as décadas de 1980 e 1990. O grupo desse índio, que já era pequeno, acabou sendo dizimado e saindo como o único sobrevivente do homem, cuja característica marcante era cavar buracos dentro das cabanas onde morava.

A Funai tentou contato com o índio até ficar claro que ele não queria que ele se aproximasse dele. Assim, desde 2005, só tem sido monitorado pelas equipes da agência. Os servidores às vezes lhe deixavam ferramentas e sementes nos lugares por onde ele passava.

 

Agência Brasil Repórter – Brasília

29 de agosto de 2022 - 09:47hs

Por Daniel Mello

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Isolados: Projetos Ditadura (BBC)

Os projetos herdados da ditadura militar

que ameaçam terras de indígenas isolados 


O Ibama apreendeu toneladas de madeira ilegal na terra indígena de Pirititi em 2018

 

Duas terras onde vivem indígenas isolados estão sob ameaça devido a projetos de desenvolvimento herdados da ditadura militar, mostram dados de um relatório técnico do Instituto Socioambiental (ISA, organização sem fins lucrativos com foco em temas ambientais e indígenas).

Os projetos são a pavimentação da rodovia BR-319, no Amazonas, e a retomada do projeto do Linhão do Tucuruí (uma grande linha de energia passando no meio da terra indígena), em Roraima.

Habitadas por grupos isolados que nunca tiveram contato com não-indígenas, as terras de Jacareúba-Katawixi (AM) e Pirititi (RR) estão em regiões que devem ser afetadas pelos projetos e estão prestes a perder a proteção legal que tinham até agora.

Ambas as terras eram protegidas por Portarias de Restrição de Uso, um mecanismo legal temporário para proteger indígenas isolados decretado pela Funai (Fundação Nacional do Índio) e que precisa ser renovado periodicamente, normalmente a cada três anos.

A portaria decretada para a terra indígena de Pirititi, no entanto, venceu no domingo (5/12) e foi renovada por apenas seis meses, tempo visto como muito curto por ambientalistas. A da terra indígena de Jacareúba-Katawixi vence nesta quarta (8/12) e a Funai ainda não se manifestou sobre a sua renovação.

Dados e imagens captados por satélites analisados pelo ISA mostram que ambas as regiões já tiveram explosões de desmatamento durante a pandemia com a expectativa dos invasores de que as portarias não fossem renovadas.

"Percebemos um aumento do desmatamento no período anterior ao vencimento das portarias", explica Antonio Oviedo, coordenador do programa de Monitoramento de Áreas Protegidas do ISA.

"É um padrão mesmo, o desmatamento aumenta com a especulação desses invasores de que essas áreas eventualmente entrem nos cadastros públicos e eles possam requerer a titulação desses terrenos", afirma Oviedo.

 

Acredita-se que a Amazônia tem a maioria das tribos isoladas no mundo

 

O governo afirma que a retomada dos projetos é necessária para a infraestrutura da região. Mas pesquisadores e comunidades locais dizem que outras alternativas poderiam ser estudadas e criticam a falta de um compromisso claro com a mitigação dos impactos das obras.

Diversos estudos apontam para o impacto socioambiental de grandes obras no coração da floresta. Um deles, publicado na revista científica Biological Conservation, mostra que 95% do desmatamento acumulado na Amazônia se concentram em uma distância de 5,5km das estradas na região. Outro, publicado no International Journal of Wildland Fire, aponta que 85% dos incêndios florestais também se concentram nesse raio.

Os ministérios da Infraestrutura e das Minas e Energia (MME) inicialmente não responderam aos questionamentos da BBC News Brasil. Mas após a publicação da reportagem, o MME afirmou que o licenciamento do linhão do Tucuruí seguiu os protocolos de consulta aos indígenas e que foi "escolhido o traçado com menor impacto socioambiental". Já a pasta da infraestrutura afirmou que tem o "compromisso de assegurar que a rodovia (BR-319) seja modelo no respeito à conservação do meio ambiente e traga desenvolvimento sustentável para a região."

 

Estudos demonstram os efeitos prejudiciais da construção de rodovias para os ecossistemas cortados por elas

Sobrevivência ameaçada

A terra indígena de Jacareúba-Katawixi, no Amazonas, é habitada pelos indígenas Katawixi, um grupo isolado que nunca teve contato com não-índios, mas que deixa vestígios de ocupação observados em expedições, como construção de abrigos e colheita de frutos. Seu modo de vida é totalmente dependente da natureza preservada.

Com a portaria de restrição de uso prestes a vencer, a terra está em uma região que deve ser afetada pela pavimentação da BR-319, estrada de 885 km que liga Manaus a Porto Velho por terra.

Iniciada em 1968 e inaugurada em 1976, a rodovia foi idealizada e construída no coração da floresta pelo governo militar como parte de um "plano de integração nacional", que incluía o incentivo à migração e a criação da Transamazônica.

Nos anos seguintes, a BR-319 foi se degradando com a falta de manutenção. Cheia de atoleiros e crateras, seu estado chegou a um ponto que levou ao seu fechamento na década de 1980. Desde 2015 ela tem trechos abertos para o trânsito, mas sem pavimentação.

Em junho de 2020, o governo Bolsonaro publicou um edital para a pavimentação de 52 km da rodovia. Na época, no entanto, não havia um estudo de viabilidade econômica e nem a elaboração de um estudo detalhado de impacto ambiental (chamado EIA/RIMA).

O edital foi questionado na Justiça pelo Ministério Público Federal justamente pela falta do estudo ambiental, mas o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) argumentou que havia um entendimento com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais) que tornava o EIA/RIMA desnecessário.

Em abril, o Dnit conseguiu derrubar na Justiça a liminar obtida pelo MPF que impedia a continuação das obras e posteriormente apresentou uma análise de impacto ambiental. No entanto, pesquisadores e ambientalistas questionam a capacidade do governo de mitigar as consequências das obras.

O Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), órgão de monitoramento do próprio governo, fez diversos estudos que apontam para os impactos ambientais do projeto. Um deles traz a projeção de que o desmatamento aumente em 1.200% no entorno com a retomada de obras na estrada.

Nesse cenário, a sobrevivência dos Katawixi está extremamente ameaçada, afirma Elias Bigio, coordenador da Operação Amazônia Nativa (Opan) e ex-coordenador geral de Índio Isolados e Recém-Contatados (CGIIRC) da Funai.

"Eles estão sob forte pressão de grilagem, de madeireiras e garimpos ilegais. E a violação ao território indígena culmina na morte e no extermínio dessa população", afirma Bigio, que explica que grande parte dos indígenas isolados são sobreviventes de massacres de invasores do passado.

O ministério da Infraestrutura disse em nota que "com a recuperação e a pavimentação, a região terá ganhos econômicos e sociais, proporcionando ao estado do Amazonas a conexão com o restante do Brasil". A pasta também afirma que o processo de licenciamento ambiental "está em fase de análise pelo Ibama" e que "o estudo de impacto ambiental e suas complementações já foram protocolados".

"Além disso, já houve a realização das audiências públicas, conforme preconiza a legislação brasileira, e de vistoria do Ibama e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes", afirma a pasta.

O ministério diz também que "a pavimentação irá permitir uma presença maior de órgãos fiscalizadores, como Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal" e maior presença do Estado na região.

 

Após declínio vertiginoso na ditadura, população waimiri atroari hoje soma 2.160 integrantes


Torres na floresta

A presença dos indígenas isolados Piruichichi (Pirititi) na terra indígena Pirititi, em Roraima, é conhecida desde os anos 1980, a partir dos relatos dos Waimiri-Atroari, grupo com histórico de contato que também vive na região.

Os Pirititi são colocados em situação de extrema vulnerabilidade com o fim da vigência da portaria de restrição de uso e a passagem do Linhão do Tucuruí pela terra indígena, afirma Elias Bigio.

 

Terras indígenas sofrem pressão de desmatamento e de grileiros

 

A primeira portaria foi decretada pela Funai em 2012 e vinha sendo renovada a cada três anos desde então. Neste ano, no entanto, a Funai renovou a portaria por apenas seis meses, tempo visto como insuficiente pelos indígenas e por pesquisadores.

"Seis meses é muito pouco. Não dá para fazer estudos, para ouvir a comunidade, para retirar invasores. Só beneficia os madeireiros ilegais e os grileiros", afirma Antonio Oviedo, do ISA.

O MPF entrou com uma ação neste ano de 2021 com recomendações para a proteção do povo indígena isolado, incluindo o avanço do processo de demarcação definitiva da terra e ações de combate aos invasores.

O Linhão de Tucuruí é uma linha de transmissão de energia elétrica de 1.800 km que pretende ligar alguns estados do norte ao sistema nacional de energia. Com o atual traçado, ela cortaria a terra indígena dos Waimiri-Atroari em 125 km.

Apesar da linha ser mais recente, tendo sido leiloada em 2008, explica Bigio, ela também é parte de um projeto para a região que é herança da ditadura militar.

A usina hidrelétrica de Tucuruí, que a linha pretende ligar ao sistema de energia nacional, foi construída em 1974 no Pará como parte de um projeto do governo militar de explorar reservas minerais na Amazônia, o que gerava demanda de grande produção de energia elétrica. Sua segunda etapa foi concluída somente em 2008, ano em que o Linhão foi leiloado.

Os impactos da construção da hidrelétrica estão entre os mais estudados no Brasil, com inúmeras pesquisas que relatam como ela afetou as comunidades ribeirinhas e indígenas no entorno. Além do desmatamento e invasões, a construção hidrelétrica ampliou a presença de mosquitos, trouxe inúmeras doenças, afetou a pesca (essencial para a sobrevivência dos indígenas e dos ribeirinhos) e gerou contaminação com mercúrio, resultado do garimpo trazido para a região.

Já o Linhão de Tucuruí se tornou foco de conflitos ao passar por inúmeras terras públicas e particulares, incluindo áreas de reserva. A construção do linhão exige o desmatamento de certas áreas para a construção de torres de até 300 metros, além de trazer outros impactos apontados pelo próprio Ibama, como poluição, aumento do fluxo de pessoas e de doenças e novas frentes de desmatamento.

O trecho que passa pela terra indígena Pirititi estava com as obras paradas por causa da possibilidade de impacto socioambientais e aguardava aprovação do Ibama. Com as novas direções apontadas pelo governo Bolsonaro, no entanto, o Ibama e a Funai autorizaram a construção do trecho.

"É surpreendente que a Funai esteja fazendo isso", afirma Elias Bigio. "O que deveria ter sido feito era fazer uma consulta técnica, para que a comunidade indígena próxima, com históricos de contato, pudesse participar. Eles não foram ouvidos e a autorização não segue as diretrizes da própria instituição. Há uma portaria da Funai com mais de 80 anos que proíbe empreendimentos em terra de indígenas isolados."

 

Ministério de Minas e Energia diz que o linhão de Tucuruí margeará a BR-174, que atravessa o território waimiri atroari

 

O presidente Jair Bolsonaro já defendeu publicamente que os povos indígenas — 1,1 milhão do total de 213 milhões da população brasileira — deveriam ter suas terras reduzidas. É uma postura que Bolsonaro tem desde antes de se tornar presidente. Em 1998, quando ainda era deputado federal, ele disse ao jornal Correio Braziliense que era uma "vergonha" as forças militares brasileiras não serem "tão eficientes como as norte-americanas" em "exterminar povos indígenas".

Após a publicação da reportagem, o ministério das Minas e Energia disse que "o traçado da linha considerou as alternativas estudadas, tendo sido escolhido o traçado com o menor impacto sócio ambiental" e que o Ibama e a Funai analisaram as medidas de "controle, mitigação e compensação dos impactos identificados" e deram suas aprovações.

Harlison Araújo, assessor jurídico da Associação Comunidade Waimiri Atroari, afirma que os indígenas da comunidade apresentaram uma proposta de compensação ambiental sobre a qual o governo federal ainda não se manifestou. Eles lutam há anos para serem ouvidos pelo governo sobre as obras.

"Se o governo não considerar a proposta, não tem acordo", diz Araújo. "Tratam como se fosse culpa dos índios o projeto não ir para frente, mas foi o governo que não trabalhou direito."

Araújo lembra que não houve consulta prévia à população antes do leilão e que o governo não considerou os 27 impactos irreversíveis, apontados pelo próprio Ibama e pela Funai, e os outros 10 que são apenas mitigáveis.

"[Tanto o Linhão quanto a pavimentação da BR-319] são empreendimentos que se colocam como se os índios fossem um empecilho, como se a vida das pessoas fosse apenas um transtorno no meio do caminho", diz Elias Bigio. "Isso quando é perfeitamente possível se estudar alternativas que respeitem os povos locais e garantam sua proteção."

O MME disse que o processo de licenciamento "contemplou os protocolos da consulta aos indígenas foram seguidos, e estão sendo integralmente cumpridos" e que o governo "dialoga com a comunidade indígena sobre a proposta de criação de grupo de trabalho referente às compensações ambientais."

A pasta disse também que o sinal verde para o projeto "é um avanço significativo no processo que interligará Boa Vista ao Sistema Interligado Nacional, levando à capital de Roraima a segurança e a qualidade do sistema elétrico disponível nas outras capitais do país."

 

BBC News Brasil em São Paulo

Leticia Mori, 8 de dezembro de 2021