O Fim das Civilizações da Amazônia
Secas e uso excessivo de recursos
Da Bolívia à
ilha de Marajó, sociedades complexas não faltavam na maior floresta tropical do
mundo
O que
caracteriza uma civilização em colapso? Diante desse tema portentoso, talvez
venha à cabeça da maioria das pessoas a antiga Roma sendo engolida pelos
bárbaros ou o misterioso fim das metrópoles maias. Existem exemplos igualmente interessantes, porém,
bem mais perto de nós, em vários pontos da Amazônia.
Sim, a Amazônia, aquele lugar no qual quase todo mundo pensa
quando vê memes falando da época “em que aqui era tudo mato”. Tudo mato,
vírgula, gentil leitor.
Por volta do
ano 1000 da Era Cristã, num arco gigantesco que ia da Bolívia à ilha de Marajó,
sociedades complexas e populosas não faltavam na região correspondente à maior
floresta tropical do mundo. Entretanto, antes mesmo do impacto apocalíptico da invasão europeia a partir do século 16,
várias dessas sociedades sumiram do mapa. A pergunta que não quer calar é,
obviamente: por quê?
Uma
tentativa ambiciosa de elucidar esse mistério está prestes a ser publicada na
revista científica Nature Ecology & Evolution. Os responsáveis pelo estudo
são membros de uma equipe internacional de cientistas, coordenada pelo
arqueólogo brasileiro Jonas Gregorio de Souza, da Universidade Pompeu Fabra, em
Barcelona.
O time de
pesquisadores resolveu examinar a intersecção entre a organização econômica e
social desses antigos grupos amazônicos, de um lado, e as idas e
vindas do clima, de outro. Para isso, valeram-se de dados obtidos a partir de
sedimentos do fundo do Atlântico e de um lago dos Andes, bem como de estalagmites
de cavernas no Brasil. Flutuações na composição química dessas amostras
funcionam como um calendário das alterações climáticas enfrentadas pela Amazônia ao longo dos séculos.
Para
entender as conclusões da análise, vale a pena considerar as sociedades pré-colombianas nas pontas leste e oeste da
Amazônia. Do lado oriental, temos a cultura que dominou a ilha de Marajó (PA)
entre os anos 400 d.C. e 1200 d.C., mais ou menos. Esse povo construiu morros
artificiais como forma de se adaptar às enchentes periódicas da ilha. Nessas
grandes plataformas, havia aldeias com população numerosa e rituais funerários
cheios de pompa, que deixaram para trás uma cerâmica sofisticada. Os antigos
marajoaras tinham ainda represas nas quais praticavam a criação intensiva de
peixes.
Já no oeste,
do lado boliviano, os habitantes dos chamados Lhanos de Moxos também lidavam
com um ambiente relativamente aberto e periodicamente inundado, como Marajó,
mais ou menos na mesma época. Construíram intrincados sistemas de canais e
campos elevados para uso agrícola, o que parece ter levado ao controle desses
recursos por uma elite.
Quando ondas
de seca se abateram sobre a região, o que aconteceu com ambas essas sociedades
poderosas? Sim, você adivinhou: colapso. Ao que parece, a dependência do uso
intensivo de recursos hídricos e agrícolas e as hierarquias rígidas aumentaram
a vulnerabilidade desses grupos às flutuações do clima.
Ao mesmo
tempo, porém, as aldeias monumentais do Alto Xingu, com suas fortificações e
estradas largas, e a “metrópole” que existia onde hoje fica Santarém (PA),
sobreviveram. Esses locais resistiram ao colapso porque teriam baseado sua
economia em sistemas agroflorestais - basicamente, florestas com espécies
selecionadas para uso humano, suplementadas com lavouras mais modestas. Era uma
estratégia mais conservadora, voltada para o longo prazo, e não para os ganhos
de curto prazo.
Reinaldo José Lopes, 16 de junho de 2019 às 02:00
Texto originalmente publicado pela Folha de São Paulo sob o título "Secas e uso excessivo de recursos podem explicar fim de civilizações da Amazônia"