Isolados
do Cautário
Coordenador
da Funai morto com flechada
Os
indígenas isolados que vivem no território Uru-Eu-Wau-Wau em Rondônia têm a
migração como forma de sobrevivência. Um dos trabalhos de Rieli Franciscato,
que morreu nesta quarta-feira (09/09/2020) após ser atingido no tórax por uma
flecha, era monitorar essa circulação à distância (veja mais no vídeo acima).
Rieli
tinha 56 anos e era coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental
Uru-Eu-Wau-Wau, que pertence à Fundação Nacional do Índio (Funai).
Junto
com o amigo Roberto de Barros Ossak, que é agente da Pastoral da Terra e
pesquisa o direito agrário na região, Rieli fez uma expedição no território
Uru-Eu-Wau-Wau para entender o motivo dos indígenas circularem do interior
da reserva para áreas afastadas do núcleo. O encontro do indigenista com
membros da tribo ocorreu perto de um acesso viário conhecido como Linha 6,
em Seringueiras (RO).
O grupo
que disparou a flecha contra Rieli é formado por 5 indígenas,
segundo testemunhas. Eles são identificados como Isolados do Cautário (nome
de um rio da região). Não se sabe a quantidade total de pessoas que compõem
esse povo indígena.
O
trabalho de Rieli era justamente tentar conscientizar a população sobre a
importância da preservação da reserva para que os povos continuassem no
interior da mata.
Ao G1, Ossak explicou que a circulação dos indígenas está diretamente ligada às invasões de território, principalmente na região de Buritis, Parecis e Campo Novo: "Estão vindo para a borda em busca de alimentos. Eles são coletores, não cultivam, então precisam migrar de uma região para a outra coletando alimentos, como: castanha, mel, açaí".
A
partir da expedição, segundo o pesquisador, foi possível notar que as
invasões começam pelos madeireiros e depois por latifundiários que querem
desmatar a região para criação de gado. Também há a ação
de garimpeiros.
Em
maio, a Funai e a Polícia Federal flagraram um garimpo e atos de extração de
madeira no entorno da terra indígena, no município de Campo Novo de Rondônia.
Ninguém foi preso.
A
Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau é uma área habitada por 9 povos indígenas. No ano
passado, ela
ficou entre as 10 terras mais desmatadas do país. Com 1,8 milhão de
hectares de área, a Uru-Eu-Wau-Wau já perdeu 42,54 km² entre 2008 e
novembro de 2019, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(Inpe).
A
análise de Ossak é que o avanço das invasões fez com que os indígenas ficassem
acuados no centro da terra indígena.
"No
período que eles ficaram reclusos ao centro, começou a faltar alimento. Então,
agora eles estão retornando às bordas. Essa é minha análise enquanto técnico
agrícola. A falta de alimento é o que vai ocasionando que os indígenas venham
para a borda da reserva, onde tem mais caça, mais fartura de alimento. E é na
borda que eles são avistados", diz o especialista.
Para a Associação Etnoambiental Kanindé, também colaborou para ação o fato de os indígenas isolados não saberem a distinção entre defensor e inimigo. O entendimento em caso de contato com não membros é que o território do grupo "está sendo invadido e os índios estão tentando sobreviver".
Investigação
O G1 teve acesso à averiguação policial que detalha a chegada dos indígenas às proximidades do acesso viário conhecido como "linha 6" em Seringueiras.
Segundo o documento, por volta das 10h desta quarta (09/09/2020), um morador da área estava sentado na frente de sua casa quando olhou para o pasto que faz divisa com a Funai e viu cinco indígenas não contactados, despidos e se deslocando com cautela no sentido da casa de um homem conhecido como Monteiro.
"Eles
estavam em formação de leque, e os dois da ponta estavam portando arcos
aparentemente para caça", lembrou.
O
morador disse que vive no local há 25 anos e é a primeira vez que avista os
indígenas naquela região.
Quando
a polícia foi informada sobre esse relato, acionou Rieli para, na condição de
representante da Funai, auxiliar o monitoramento. A partir disso, eles
adentraram na região seguindo as pegadas dos indígenas. A intenção era fazer um
trabalho, à distância, mas Rieli acabou sendo visto e atingido com uma flecha
no peito.
Ouça o relato do policial Paulo Ricardo Bressa, amigo de Rieli, narrando os momentos que antecederam a morte
Indígenas
foram avistados em junho
Em
junho deste ano, um grupo de indígenas isolados foi visto por uma dona de casa
no quintal de um sítio em Seringueiras. Eles
trocaram uma carne de caça por uma galinha e levaram um machado. A
moradora Gabriella Euvira Moraes disse que correu para o banheiro e filmou a
visita.
"Eu nem cheguei a sair ou me colocar para fora. Eu vi pela fresta na porta e vi um homem parado. Foi quando prestei atenção, e ele estava sem roupa. Nisso que eu me escondi, escutei três homens chegando perto da casa e conversando. Não dava para entender nada. Eles andaram ao redor da casa", contou Gabriella na época.
Segundo a Kanindé, esse é o mesmo grupo que Rieli cruzou antes de ser atingido.
Protetor
dos índios
Rieli
Franciscato, de 56 anos, morreu na quarta após ser atingido no tórax por uma
flecha de bambu, de 1,5 metro, disparada pelos indígenas. Logo que foi
atingido, houve uma tentativa de socorro, mas o sertanista chegou morto ao
hospital.
Ele
era uma das grandes referências nos trabalhos de proteção aos indígenas
isolados da Amazônia. O coordenador defendia o não contato com o grupo e atuava
para evitar um conflito com a população local. Também fez parte da equipe que
demarcou a primeira terra exclusiva para indígenas isolados.
Indigenistas contam como foi a morte de Rieli Franciscato, especialista em índios isolados
G1
RO
Ana Kézia Gomes
10 de setembro de 2020 às 16h30
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