Integração Indígena X Assimilação
Cultural
Indígenas não querem ser assimilados
Os povos
indígenas ocupam o território brasileiro há mais de 10 mil anos. Somam,
atualmente, cerca de 900 mil indivíduos, distribuídos em 305 etnias com 274
línguas distintas, de acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2010.
Essa população ocupa 722 áreas de reserva protegidas pela legislação, que correspondem a 13,8% do território e formam uma espécie de enclave de tensão entre duas culturas, dois sistemas de produção, dois “Brasis”.
Folha de
São Paulo. Fotos - Exposição Sebastião Salgado
“Integração no Brasil é sempre pensada como uma assimilação cultural, o que é absolutamente errado. Os indígenas não querem ser assimilados, poderiam, se quisessem. Mas não é essa a ideia”, disse Manuela Carneiro da Cunha, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), durante o oitavo episódio do programa Ciência Aberta de 2019.
Para a antropóloga, a assimilação cultural, “disfarçada no eufemismo de integrar o Brasil”, tem o objetivo de eliminar diferenças culturais e abrir caminho para a liberalização das terras indígenas para o mercado. O potencial de exploração mineral e agropecuário de algumas dessas áreas chega a suscitar em certos setores da sociedade a alegação de que há “muita terra para poucos índios”.
“A crítica está em dizer que os índios não são produtivos, no sentido entendido pelo capitalismo. Porém, a maneira como os não indígenas querem explorar e tirar as riquezas é apenas uma repetição de toda a história do Brasil – uma exploração constante das riquezas naturais, sem grandes resultados. É só tirar riqueza natural para exportar, sem aproveitar o conhecimento existente e, de fato, transformar isso em riqueza”, disse Artionka Capiberibe, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Capiberibe sublinha que o direito do índio à terra foi reiterado na Constituição de 1988, carta que também celebra a diversidade como um valor a ser preservado.
Guerreiros
Xikrin se reúnem na aldeia Rapko após expedição na floresta. Fotos - Lalo de
Almeida - Folhapress.
Na avaliação de Geraldo Andrello, professor do Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com ou sem lei já é possível assistir aos efeitos da simples vontade de liberar as terras indígenas para exploração.
“Houve um aumento de 85% dos alertas de mineração clandestina e de 38% dos alertas de desmatamento clandestino em terras indígenas. Isso só no primeiro semestre de 2019 e embora o governo federal esteja só discutindo e anunciando que vai enviar uma proposta para adulterar as terras indígenas. É um anúncio que vem sendo reiteradamente afirmado”, disse Andrello.
Para os três antropólogos que participaram do programa Ciência Aberta, é preciso destacar que, a despeito do modo de vida próprio e de uma cultura diferente dos não índios, as populações indígenas brasileiras não estão congeladas no tempo.
“Os indígenas são nossos contemporâneos. Há uma ideia que coloca as populações indígenas como tradicionais e nós [não indígenas] como modernos. Na verdade, nem nós somos modernos nem eles são tradicionais no sentido de culturas congeladas no tempo”, disse Capiberibe.
Área
desmatada por grileiro dentro da Terra Indígena Trincheira Bacajá, no Pará
26.08.2019. Fotos - Lalo de Almeida - Folhapress.
E qual seria
a definição de um povo ou indivíduo indígena? Há alguns anos, o antropólogo
Eduardo Viveiros de Castro propôs a necessidade de uma autodefinição dos povos
indígenas. Assim, índio é aquele que é reconhecido por um povo indígena.
“Portanto,
não existe um índio, mas uma comunidade que o reconhece como tal. Dessa forma,
também não é qualquer comunidade que pode se considerar indígena, pois é
necessário um vínculo histórico cultural com as organizações sociais
pré-colombianas”, disse Andrello.
De acordo
com o pesquisador, quando se fala em povos indígenas está se falando em
diversidade. “É arriscado tentar estabelecer parâmetros para indicar o que os
povos indígenas, no seu conjunto, têm em comum. Estamos falando em
diversidade”, disse.
Talvez, na
avaliação dos participantes do programa, a unidade esteja na relação com a
natureza. “A relação dos povos indígenas com aquilo que nós chamamos de
recursos naturais é completamente oposta às relações que nós ocidentais
estabelecemos. Em geral, a nossa relação com os seres da natureza é basicamente
de sujeito-objeto. O homem é o sujeito da relação e os seres da natureza são os
objetos intencionalmente inertes”, disse.
TI
Yanomami, Comunidade Maturac - Mulheres manuseando o Perisi, fungo utilizado na
cestaria Yanomami. Fotos - Rogério Assis - ISA.
Luiza
Lima Góes Yanomami carrega dois Motorohima, feitos por ela na comunidade
Maturacá, Terra Indígena Yanomami. Foto - Roberto Almeida - ISA.
Detalhe
de um cesto Motorohima feito por Luiza Lima Góes na comunidade Maturacá, Terra
Indígena Yanomami. Foto - Roberto Almeida - ISA.
Detalhe
de Wii com Perisi, na comunidade Ariabu, Terra Indígena Yanomami. Foto -
Roberto Almeida - ISA.
Um exemplo
que explicaria a relação dos povos indígenas com a natureza está nos Guayapi,
povo de língua tupi que vive no Amapá e na Guiana Francesa.
“Eles não
têm uma visão colonialista da sua terra. O que vem a ser colonialista? É achar
que tudo o que você ocupa está a seu serviço, para o seu bem-estar, que é a
visão tradicional da natureza para o ocidente”, disse Carneiro da Cunha.
Dessa forma,
explica Carneiro da Cunha, os Guayapi “entendem que a mata, os bichos e as
árvores, por exemplo, têm direitos. O rio tem direitos e é um lugar
compartilhado, que não foi feito só para usufruto da humanidade, mas de todos
os seres que estão ali. Esse entendimento transforma completamente a relação
com o que nós chamamos de natureza, que, aliás, é um conceito que nem existe em
muitos povos”, disse.
Essa visão
de mundo talvez explique por que, na região amazônica, as terras indígenas são
mais conservadas que as áreas vizinhas.
Maria
Fernanda Ziegler
12 de
novembro de 2019 às 8h00
O episódio “Indígenas” do programa
Ciência Aberta teve a participação de alunos das universidades de São Paulo
(USP) e Estadual de Campinas (Unicamp), do Instituto Federal de São Paulo e da
Escola Estadual Prof. Manuel Ciridião Buarque.
Ciência Aberta é uma parceria da
Fapesp com o jornal Folha de S. Paulo. O programa é apresentado por Alexandra
Ozorio de Almeida, diretora de redação da revista Pesquisa Fapesp.
O novo episódio pode ser visto na
página da Agência Fapesp no Facebook, no YouTube e no site da TV Folha.
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