Suicídio Infantil
18 vezes maior entre indígenas
Menino Guarani-Kaiowá
no plenário do STF, em junho de 2019, durante sessões sobre processos que
discutem demarcação de terras indígenas e direito à indenização de áreas
desapropriadas. Foto: Jorge William /Agência O Globo.
RIO — Um
estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Ceará mostrou que a taxa de
mortalidade por suicídio entre crianças indígenas é 18,5 vezes maior do que a de
crianças não indígenas.
De maneira
pioneira, o trabalho traçou um panorama nacional do problema e identificou
áreas prioritárias para intervenções, onde casos são recorrentes. O estudo foi
publicado na revista científica “Cadernos de Saúde Pública”, produzida pela
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fiocruz.
Utilizando
dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde
e do último Censo feito pelo IBGE, o médico psiquiatra Maximiliano Ponte chegou
a números preocupantes.
Entre 2010 e
2014, a taxa de mortalidade por suicídio entre crianças indígenas foi de 11/100
mil, enquanto entre as não indígenas foi de 0,6/100 mil, sem diferenciar
meninos e meninas.
Em números
absolutos, foram registrados 584 suicídios de crianças no país durante o
período analisado pelo pesquisador.
Deste total,
55 casos foram de crianças indígenas, com um predomínio de suicídio de meninas
(58,2%). Entre os não indígenas, que somaram 529 casos, a maioria eram meninos
(60%).
Situação
dramática
O grupo de
pesquisas da qual Ponte faz parte também analisou recentemente dados de
suicídio indígena na região de Tabatinga, no estado do Amazonas.
O trabalho
mostrou aglomerados de casos onde os estudiosos observaram que parte das
pessoas que cometeram suicídio eram parentes entre si.
O
pesquisador explica que o número de suicídios infantil indígena é maior nas
crianças que têm histórico de ocorrências na família. A maior parte dos
suicídios infantis registrados aconteceram nos mesmos locais onde foram
registradas a maior parte dos casos de adultos.
— Um outro
grupo de trabalho também mostrou que as crianças estudadas eram as que mais
frequentemente tinham parentes que cometeram suicídio. Estar em um meio onde as
pessoas percebam o suicídio como um caminho aumenta a chance de as crianças
cometerem esse ato — explica.
Outro dado
apontado por Ponte neste novo artigo é que 3/4 dos casos ocorreram em 17
municípios, agrupáveis em três núcleos: um no sudoeste do Amazonas, com 27,3%
dos casos; outro em área no noroeste do mesmo estado, com 9,1% dos casos; e um
terceiro no sul do Mato Grosso do Sul, com 40% dos registros. O pesquisador
atenta ainda para o fato de esta última região ser um local conhecido pelas
altas taxas de mortalidade por suicídio de indígenas, principalmente dos Guarani-Kaiowá.
— As altas
taxas de mortalidade por suicídio de crianças indígenas não são um fenômeno
descolado das igualmente altas taxas de mortalidade por suicídio de indígenas
de um modo geral — afirma o pesquisador — Isso está ligado ao quadro precário
de subsistência dos índios. A situação dos Guarani-Kaiowá é, talvez, uma das
mais dramáticas entre os índios brasileiros — diz.
Os Guarani-Kaiowá
vivem em comunidades muito pequenas, muitas vezes em áreas não demarcadas, em
acampamentos na beira da estrada.
— As
condições de vida deles são ameaçadas pelas doenças, a indefinição em relação
às suas terras e pela pressão do agronegócio. Todos esses fatores os colocam em
uma situação de grande vulnerabilidade social, que se relaciona de algum modo
com o suicídio em altas proporções — diz Ponte.
O
antropólogo e professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR) Tonico
Benites é uma das principais lideranças do povo Guarani-Kaiowá no Mato Grosso do Sul e coautor da minissérie
documental com 13 episódios “O Mistério de Nhemyrõ”, que trata do suicídio de
indígenas de diversos povos no Brasil. Para ele, os fatores sociais, políticos
e ambientais são os propulsores das altas taxas de suicídio entre os povos
indígenas, inclusive de crianças.
— Esses
casos acontecem em um contexto de perda de terra, remoção forçada, aplicação de
uma regra rígida militar, desmatamento, proibição de circulação indígena e
ameaças. É nesse cenário que os casos de suicídios indígenas acontecem: o
momento em que a pessoa entra em um estado de medo, desespero, e que, sem muita
expectativa de viver melhor, não vê outra saída — diz Benites, doutor em
antropologia social pelo programa de pós-graduação do Museu Nacional e da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Dados do
Ministério da Saúde referentes ao período entre 2010 e 2017 mostram que a taxa
de mortalidade por suicídio de indígenas é quase três vezes maior que a da
população em geral — 15,2/100 mil, contra 5,5/100 mil, respectivamente. Para
reverter o quadro, Ponte defende uma parceria entre a ciência, o poder público
e os povos indígenas.
— É muito importante
buscar compreender o que os próprios indígenas afetados por esse problema
imaginam que possa ser feito. As estratégias de enfrentamento devem ser
construídas com os indígenas. Não adianta a gente pensar dentro dos gabinetes
as alternativas — diz.
Leticia
Lopes (estagiária, sob orientação de Cristina Fibe)
26 de
novembro de 2019 às 16:45
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