quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Suicídio Infantil (O Globo)


Suicídio Infantil
 18 vezes maior entre indígenas

Menino Guarani-Kaiowá no plenário do STF, em junho de 2019, durante sessões sobre processos que discutem demarcação de terras indígenas e direito à indenização de áreas desapropriadas. Foto: Jorge William /Agência O Globo.

RIO — Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Ceará mostrou que a taxa de mortalidade por suicídio entre crianças indígenas é 18,5 vezes maior do que a de crianças não indígenas.
De maneira pioneira, o trabalho traçou um panorama nacional do problema e identificou áreas prioritárias para intervenções, onde casos são recorrentes. O estudo foi publicado na revista científica “Cadernos de Saúde Pública”, produzida pela Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, da Fiocruz.
Utilizando dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde e do último Censo feito pelo IBGE, o médico psiquiatra Maximiliano Ponte chegou a números preocupantes.
Entre 2010 e 2014, a taxa de mortalidade por suicídio entre crianças indígenas foi de 11/100 mil, enquanto entre as não indígenas foi de 0,6/100 mil, sem diferenciar meninos e meninas.
Em números absolutos, foram registrados 584 suicídios de crianças no país durante o período analisado pelo pesquisador.
Deste total, 55 casos foram de crianças indígenas, com um predomínio de suicídio de meninas (58,2%). Entre os não indígenas, que somaram 529 casos, a maioria eram meninos (60%).

Situação dramática
O grupo de pesquisas da qual Ponte faz parte também analisou recentemente dados de suicídio indígena na região de Tabatinga, no estado do Amazonas.
O trabalho mostrou aglomerados de casos onde os estudiosos observaram que parte das pessoas que cometeram suicídio eram parentes entre si.
O pesquisador explica que o número de suicídios infantil indígena é maior nas crianças que têm histórico de ocorrências na família. A maior parte dos suicídios infantis registrados aconteceram nos mesmos locais onde foram registradas a maior parte dos casos de adultos.
— Um outro grupo de trabalho também mostrou que as crianças estudadas eram as que mais frequentemente tinham parentes que cometeram suicídio. Estar em um meio onde as pessoas percebam o suicídio como um caminho aumenta a chance de as crianças cometerem esse ato — explica.
Outro dado apontado por Ponte neste novo artigo é que 3/4 dos casos ocorreram em 17 municípios, agrupáveis em três núcleos: um no sudoeste do Amazonas, com 27,3% dos casos; outro em área no noroeste do mesmo estado, com 9,1% dos casos; e um terceiro no sul do Mato Grosso do Sul, com 40% dos registros. O pesquisador atenta ainda para o fato de esta última região ser um local conhecido pelas altas taxas de mortalidade por suicídio de indígenas, principalmente dos Guarani-Kaiowá.
— As altas taxas de mortalidade por suicídio de crianças indígenas não são um fenômeno descolado das igualmente altas taxas de mortalidade por suicídio de indígenas de um modo geral — afirma o pesquisador — Isso está ligado ao quadro precário de subsistência dos índios. A situação dos Guarani-Kaiowá é, talvez, uma das mais dramáticas entre os índios brasileiros — diz.
Os Guarani-Kaiowá vivem em comunidades muito pequenas, muitas vezes em áreas não demarcadas, em acampamentos na beira da estrada.
 — As condições de vida deles são ameaçadas pelas doenças, a indefinição em relação às suas terras e pela pressão do agronegócio. Todos esses fatores os colocam em uma situação de grande vulnerabilidade social, que se relaciona de algum modo com o suicídio em altas proporções — diz Ponte.
O antropólogo e professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR) Tonico Benites é uma das principais lideranças do povo Guarani-Kaiowá  no Mato Grosso do Sul e coautor da minissérie documental com 13 episódios “O Mistério de Nhemyrõ”, que trata do suicídio de indígenas de diversos povos no Brasil. Para ele, os fatores sociais, políticos e ambientais são os propulsores das altas taxas de suicídio entre os povos indígenas, inclusive de crianças.
— Esses casos acontecem em um contexto de perda de terra, remoção forçada, aplicação de uma regra rígida militar, desmatamento, proibição de circulação indígena e ameaças. É nesse cenário que os casos de suicídios indígenas acontecem: o momento em que a pessoa entra em um estado de medo, desespero, e que, sem muita expectativa de viver melhor, não vê outra saída — diz Benites, doutor em antropologia social pelo programa de pós-graduação do Museu Nacional e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Dados do Ministério da Saúde referentes ao período entre 2010 e 2017 mostram que a taxa de mortalidade por suicídio de indígenas é quase três vezes maior que a da população em geral — 15,2/100 mil, contra 5,5/100 mil, respectivamente. Para reverter o quadro, Ponte defende uma parceria entre a ciência, o poder público e os povos indígenas.
— É muito importante buscar compreender o que os próprios indígenas afetados por esse problema imaginam que possa ser feito. As estratégias de enfrentamento devem ser construídas com os indígenas. Não adianta a gente pensar dentro dos gabinetes as alternativas — diz.

Leticia Lopes (estagiária, sob orientação de Cristina Fibe)
26 de novembro de 2019 às 16:45

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