Brasil e os Brics
Perspectivas econômicas
Bolsonaro comanda
sessão plenária da 11ª Cúpula de Líderes do Brics: parceiros pedem que a ONU
preste mais atenção ao Brasil como ator político importante. Foto: Alan
Santos/PR
O Bric de
2006 e depois Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) a partir de
2010, fez sua 11ª reunião de cúpula em Brasília-DF entre 13 e 14 de novembro
de 2019. Dentre as 196 nações do mundo, este seleto quinteto inclui quatro das
maiores potências econômicas do mundo e a maior delas (China) só é ultrapassada
pelos Estados Unidos da América. A cúpula se deu entre Presidentes (B, R e C) e
Primeiros Ministros (I e S) e respectivas comitivas.
Os dados
demográficos de 2019 apontam: China, 1,43 bilhões de habitantes; Índia, 1,37;
Brasil, 0,21; Rússia, 0,15 e África do Sul, 0,06; no total 3,22 bilhões de pessoas
ou seja 42% de toda a população mundial. A maior potência do planeta, os EUA,
tem 0,33 bilhões. China e Índia são os dois países de maior área, com 9,7 e 3,3
milhões de km2. A segunda, juntamente com o Paquistão, está geograficamente
colada à China. Esta fez construir uma das maravilhas do mundo, ligando-a ao
último (que tem 217 milhões de habitantes): Karakoram, a rodovia mais elevada
do mundo, pavimentada com dupla mão e quatro pistas; 1.300 km rasgando trechos
do Himalaia e seus vales. Uma muito mais curta ramificação a sudoeste faria a
conexão tríplice com a Índia. Há dezenas de reatores nucleares operando nestes
três países. São ditos para a geração de energia elétrica. Mas também podem se
prestar a artefatos bélicos. A união futura do trio na busca de hegemonia
econômica mundial é uma perspectiva a se considerar, pois a China, per se, já
persegue este objetivo e progressivamente o vai alcançando.
Detenhamo-nos
um pouco mais no gigante dos gigantes. Das Dinastia Shang-Zhou (1600 a 256
A.C.), passando por numerosas outras até a mais moderna Qing (1644 - ...), a
China deixou um legado muito mais além da acupuntura e soldados-bonecos de
terracota. O país foi berço de grandes invenções como a seda e sua tecelagem, a
pólvora, a bússola, a tecnologia de fabricação de papel, um primeiro livro em
papel de cânhamo e precursor artesanal para linotipia, a goma-laca. Achados
arqueológicos revelam dezenas de outros inventos. Em solo chinês se domesticou
a soja para fins alimentares. Seguiu-se, então, muito tempo de obscurantismo
social e econômico chinês. Nas últimas cinco décadas a China experimentou a
mais notável evolução econômica dentre todos os países. De 1968 e um PIB de US$
0,07 bilhões e um PIB per capita de apenas US$ 91 evoluiu em 1998 para US$ 1,03
trilhões e US$ 829; as cifras de 2018 foram de US$ 13,4 trilhões e US$ 9.370.
Somente sobrepujada pelos Estados Unidos com um PIB de 2018 na casa dos US$
20,49 trilhões e, portanto, um per capita de US$ 62.600. O Brasil muito mais
aquém com um PIB de US$ 1,87 trilhões, correspondendo a cada brasileiro US$
8.905/ano.
Afunilemos o
foco em minerais raros, mas é preciso não confundir o elenco de metais raros
tipo neodímio para fins tecnológicos modernos com outros minerais de muito
maior valor comercial tais como jadeíta, diamante vermelho, serendibita,
granada azul e rubi, todos como os mais finos itens de joalherias, nos quais,
cada quilate (200 mg) pode custar entre 1 e 3 milhões de dólares.
É de dezessete o número de minerais considerados raros e esta definição tem a ver com suas
propriedades físicas e químicas muito peculiares, o que os torna então úteis
para aplicações especializadas tais como telefones celulares, computadores,
magnetos, lasers, mísseis, aviões invisíveis de combate, óculos de visão
noturna e dispositivos hápticos (botões de toque em videogames). Alguns mais
conhecidos e já com aplicações bem estabelecidas são o neodímio (magnetos
robustos de multi-aplicações desde ferramentas para joalheria, braçadeiras de
solda, filtros de óleo, geolocalizadores, ferramentas de montagem e mesmo em
aeronáutica espacial para roupas antigravitacionais e coleta de poeira em
outros planetas); cério (liga de ferro maleável, polimento de vidros,
iluminação via arco-de-carbono na indústria cinematográfica, estocagem de hidrogênio
via hidreto); tântalo (anticorrosivo em ligas metálicas e refratários;
substituto da platina); hólmio (gerador do mais intenso campo magnético
artificial e laser; absorvente de nêutrons da fissão nuclear e moderador nos
reatores nucleares; o óxido amarelo na coloração de vidros); ítrio (incrementador
da resistência de ligas de alumínio e magnésio; filtro de micro-ondas para
lasers; liga de alumínio e ítrio em laser cortador de outras ligas metálicas); térbio
(liga para aumentar campos magnéticos; dopador de outros sais para aparelhos de
estado sólido; estabilizador de cristal em células combustíveis) e gadolínio
(ligas de ferro e cromo para incrementar a resistência a altas temperaturas e
oxidação; aplicações de micro-ondas; televisores a cor; como corante de
contraste, aumenta e aperfeiçoa as imagens de ressonância nuclear magnética)
Na medicina
moderna de diagnóstico por imagens uma das técnicas mais consolidadas é a
Ressonância Magnética Nuclear (RMN). No aparelho a fiação do magneto supercondutor
tem alguns Km de comprimento e é constituída de uma liga metálica complexa de
nióbio, tântalo, titânio e estanho [(NbTaTi)3Sn], a qual, por ser quebradiça, é
embebida em cobre para garantir-lhe um reforço. O nióbio tem ainda numerosas
aplicações estratégicas tais como aços reforçados na construção de oleodutos,
motores e turbinas de aviões a jato, baterias de carros elétricos, lentes
óticas, aceleradores de partículas, juntas e implantes ortopédicos, ferramentas
de corte, marca-passos e equipamentos de alta resistência ao calor. A cotação
internacional gira em torno de US$ 150/kg.
O Brasil
detém a quase totalidade das reservas de nióbio do mundo. Suas minas principais
estão em Araxá e Tapira, Minas Gerais (75%) operada pela Cia. Brasileira de
Metalurgia e Mineração (CBMM) e o mineral nativo é a carbonatita (1,5 a 3% de
óxido Nb2O5). Segundo a Revista da Fapesp, a mina é de propriedade da família
Moreira Salles, coproprietários do Itaú-Unibanco, sendo que 30% foram vendidos
a fabricantes de aço chineses, japoneses e sul-coreanos. Outras jazidas estão
em São Gabriel da Cachoeira e Presidente Figueiredo no Amazonas (21%) e Catalão
e Ouvidor, em Goiás (4%), esta operada pela CMOC Intl. Brazil, uma subsidiária
da chinesa China Molybdenum. A reserva total brasileira está estimada em 842
milhões de toneladas métricas. Se espera que, por conta da demanda
internacional, a exploração do nióbio amazonense, sob firme supervisão e
instrução dos órgãos governamentais pertinentes, resulte por 51% em favor dos
indígenas, evitando que em um futuro mais distante, tal qual seus congêneres
estadunidenses, se ocupem de cassinos e bebidas alcoólicas.
Os minerais
brutos mais comuns englobando terras raras são a monazita e bastnasita. No
conjunto, a China detém as maiores reservas do mundo (37%) e, de acordo com USA
Geological Survey, ela produziu, em 2018, cerca de 70% de todos os minerais então
consumidos internamente e exportados mundo afora. Este mesmo serviço yankee
qualifica a exploração de metais raros como “um negócio sujo”, por conta da
dispersão das rochas e os meios físicos e químicos drásticos para alterar a
ocorrência nativa na direção comercial. Além do que as jazidas usualmente
têm um material radioativo – tório – associado aos metais de interesse mais
imediato. Austrália, Brasil, Índia e África do Sul também tem boas reservas de
minerais raros. Um trio dentro do quinteto BRICS. Os Estados Unidos dispõem
apenas de cerca de 1% do elenco das terras raras de maior interesse.
Um adendo
radioativo: o potencial do tório (Th) para reatores nucleares à prova de fusão,
ou seja, sem acidentes do tipo Chernobyl (Ucrânia) ou Fukushima (Japão). O
defensor entusiasmado da ideia é Pedro Jacobi (“O portal do Geólogo”). China,
Japão, Inglaterra e Austrália estão nesta mesma seara, pois, o ponto de fusão
dos sais de tório é muito mais elevado do que daqueles de urânio e um reator
nuclear a Th opera a mais baixa pressão. São os chamados LFTR – Reatores
movidos a fluoreto de tório líquido e com menor custo operacional, maior
segurança e estabilidade. Os resíduos nucleares são mais facilmente
neutralizados e processados sem prejuízo ambiental. Há muito tório nas areias
monazíticas das praias brasileiras.
Segundo
dados do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e com base em pesquisadores
do Departamento de Geologia da UFMG, no Brasil existem muitas dezenas de
ocorrências de reservas/depósitos tanto de tório quanto de urânio em pelo menos
duas dezenas de municípios. A torianita nacional, com um conteúdo de 7% de
tório, se situava em 600 mil toneladas, uma das maiores reservas do mundo. As
praias do estado do Espírito Santo e suas areias monazíticas são de maior
importância. O país com tecnologia mais avançada em reatores nucleares a tório
é a Índia (e.g., reatores Kamini, Bhabha e Kakrapar) e também detentora de
grandes reservas deste material nuclear. Incidentalmente, a Índia é parceira do
Brasil no Brics.
O tório
nativo (Th-232), mais comum que o urânio, não é físsil e assim se torna
(Th-233) sob bombardeamento com nêutrons. Vantajosamente em relação ao urânio
que gera plutônio também radioativo, o tório leva a produtos, quando do
descarte do reator, com tempo de meia vida mais curto. O tório (não radioativo)
é o revestimento ideal para fios de tungstênio (equipamentos eletrônicos),
aditivo para incrementar a resistência mecânica e a altas temperaturas do
magnésio e cadinhos de laboratório de análises químicas e aditivo para vidros
para elevar o índice de refração com baixa dispersão, além de ser eficiente
catalisador em processos industriais tais como o craqueamento de petróleo.
Todavia, as
usinas nucleares de geração II (as mais comuns) são numerosíssimas e fazem uso
de urânio enriquecido (U-235): são 99 nos USA, 58 na França, 34 na Rússia e 24
na China. Japão e Alemanha estão em processo de desativação das suas. O Brasil
conta apenas com Angra I e II e ainda patinando com Angra III. As pastilhas já
gastas no reator se convertem em várias formas residuais igualmente
radioativas. As sucessivas conversões de enriquecimento do urânio minerado são
seus óxidos (UO2 e U3O8) e seu fluoreto gasoso (UF6), por fim reconvertido em dióxido enriquecido (UO2) cujas pastilhas alimentam o reator e de lá,
consumada a fissão, saem na forma de vários produtos também radioativos dentre
os quais U-234, neptúnio-237, amerício-241 e plutônio-238, este último com
tempo de meia vida de 88 anos comparados ao primeiro, 245 anos. No elenco das
mais modernas plantas nucleares em construção, de geração III, a China, Rússia
e Índia com 25, 9 e 6, respectivamente.
A Austrália
detém a maior reserva de urânio do mundo (1,78 milhões de toneladas), seguida
do Cazaquistão (0,94) e Canadá (0,7). Coincidentemente o elenco das reservas de
países ocupando desde a 4ª até 8ª posições mundiais são exatamente aqueles do
Brics, mas em ordem alterada de siglas: África do Sul (0,44), Rússia (0,39),
Brasil (0,28), China (0,27) e Índia (0,14) em milhões de toneladas. Em outras
palavras, o time do Brics possui 20% das reservas mundiais de urânio. A reserva
dos USA é a mesma da Índia, mas se falta fizesse, teriam ou já tem o socorro
imediato de seus aliados: Canadá e Austrália.
O urânio não
é comercializado segundo o padrão das demais commodities. De acordo com três
consultoras internacionais (UxC, LLC e Tarrade Tech) de 1990 o preço/kg baixou
de US$ 40–50 para 25–32 o quilograma. Na média, US$ 25/kg. Para o tório a
cotação é levemente superior; cerca de US$ 30/kg. Para o neodímio (óxido), US$
110/kg. O nióbio (metal 99,5% puro) é cotado em US$ 150/kg (o Brasil com >
98% das reservas mundiais – 842 milhões de toneladas – é seguido, muito ao
longe, pelo Canadá e Austrália).
O duelo e as
retaliações constantes entre os USA (Trump) e China (Xi Jinping) não têm como
mola propulsora a importação e a exportação de brinquedos. O real e mais
importante pano de fundo é a tecnologia 5G (5ª geração de internet móvel ou
sem fio) que explora uma largura de banda entre 100 e 1000 vezes maior que a
atual 4G, podendo transmitir mais de 10 gigabytes/segundo, evoluindo a seguir
para uma velocidade de até 100 vezes maior, sendo estável e com uma latência
reduzida para 1 milissegundo. Trump determinou o bloqueio de exportações
norte-americanas para a gigante de telecomunicações chinesa Huawei. A 5G vai
interligar fábricas, plantas energéticas, aeroportos, veículos automotores,
aviões, universidades, hospitais, sítios de lazer e órgãos governamentais,
dentre outros. Telefones celulares operarão instantaneamente. Companhias
norte-americanas tais como a Verizon, Sprint, T-mobile e AT&T estão
engajadas em consolidar a 5G no curso de 2020 apoiadas nos sólidos
investimentos de 2019 e mesmo bem antes. A Nokia finlandesa e a Ericsson sueca
não estão dormindo em berço esplêndido no que tange a 5G. Mas um fato concreto
é que a Huawei chinesa, já ao final de janeiro de 2019, segundo o colunista
Wagner Wakka do jornal Time, anunciou o chip Tiangang compatível com 5G. Uma
revolução nas telecomunicações nas várias atividades comerciais e de lazer do
ser humano. Dada sua potência mais elevada, o chip consegue controlar até 64
canais de conexão. Engloba também, melhorias revolucionárias em unidades de
integração de internet via antenas 50% menores, 25% mais leves e consumindo 21%
menos energia. Em tempos atuais, a Huawei já é a maior empresa mundial para
equipamentos em telecomunicações, vendendo seus produtos para 170 países. Seu
lucro em 2018, subiu para mais de 1 bilhão de dólares. No que toca a telefones
celulares (sistema operacional Android) está atrás apenas da Samsung
(sul-coreana) mas à frente da Apple (USA). Seus 80.000 empregados sustentam 14
centros de pesquisa conectados mundo afora. Para os brasileiros, com a recente
cúpula do Brics não seria improvável que a 5G verde-amarela venha com o carimbo
“made in China”.
No mais, o
paciente povo brasileiro prossegue na esperança de suas três necessidades mais
básicas: saúde, educação e segurança pública sob o guarda-maior, bastante
desacreditado: justiça. Votos de que o Brics, a internacionalização e a
abertura de mercado recíproca nos sirva na consecução das mesmas. Lembremos aos
políticos de todos matizes o que reza a Constituição Federal de 1988 (ora mais
acionada para libertar criminosos), em seu art. 7º, inciso VI: “todos
trabalhadores urbanos e rurais terão garantido um salário-mínimo fixado em lei,
unificado e capaz de atender as necessidades vitais e de sua família como
alimentação, moradia e educação”. E seguimos muito longe disto.
José
Domingos Fontana, professor emérito da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
10 de
dezembro de 2019 às 20:00
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