Isolados
Medidas
Urgentes
RIO - O Ministério Público Federal (MPF) cobrou do governo ação imediata para acompanhar a situação dos povos indígenas que vivem na fronteira do Acre com o Peru, em meio à pandemia da Covid-19. O ofício, encaminhado à Fundação Nacional do Índio (Funai) e à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) na noite desta segunda-feira (17/08/2020), pede urgência dos órgãos para atuarem na recente situação de contato feito por um grupo de isolados que vive no alto curso do rio Humaitá, revelado pelo GLOBO no sábado (15/08/2020).
Após o contato feito por
um grupo estimado entre 10 e 20 índios com a aldeia Terra Nova, no rio Envira,
onde vivem os Kulina Madiha, os isolados teriam indo embora levando alimentos,
panelas, machado e algumas peças de roupa, cobertas e redes. O GLOBO apurou
junto a moradores da aldeia que há índios Kulina com sintomas de tosse, dor de
cabeça e cansaço. A área onde vivem esses índios é um dos pontos da Amazônia no
qual não existe barreiras sanitárias instaladas pelo governo federal.
O ofício do MPF dá prazo
de 48 horas para Funai e Sesai se manifestarem com dados epidemiológicos
relativos aos povos indígenas localizados na região do rio Envira, onde está a
aldeia Terra Nova. "Especialmente quanto a ocorrência de síndromes
gripais, respiratórias agudas graves, inclusive covid-19, e outras que entender
relevantes para a avaliação de risco decorrente do contato", diz o documento.
Ex-chefe da base da
Frente de Proteção Etnoambiental Envira, o sertanista José Meirelles afirmou ao
GLOBO que a probabilidade desses índios terem se contaminado em razão do
contato é de "99,9%".
- E eu não estou nem
falando de coronavírus. A probabilidade desses índios terem escapado de pegar
gripe é a mesma de eu ganhar na Mega-Sena. E, se pegaram, podem estar todos
mortos - afirma.
O pedido de urgência,
assinado pela subprocuradora-geral da República Eliana Torelly, considerou o
momento delicado em que vivem esses povos originários ameaçados de serem
dizimados caso o coronavírus se espalhe por suas aldeias. Eliana coordena a 6ª
Câmara da Procuradoria Geral da República (PGR) e exerce o papel, no âmbito do
MPF, de integrar e revisar as ações institucionais destinadas à proteção da
população indígena e comunidades tradicionais.
No ofício, Eliana
questiona se houve acionamento do Plano de Contingência para Situações de
Contato e ativação da sala de situação conforme determina a Portaria Conjunta
nº 4.094/2018, do Ministério da Saúde e da Funai, que define princípios,
diretrizes e estratégias para a atenção à saúde dos Povos Indígenas Isolados e
de Recente Contato.
Fotos mostram índios isolados na fronteira do Acre
O documento lembra ainda que os Kulina "mantêm contato frequente com a cidade de Feijó, que já conta com mais de 900 casos da doença" e que a visita dos isolados "pode contribuir para disseminar o vírus entre essa população".
Eliana cita ainda a
“sabida vulnerabilidade imunológica dos povos indígenas isolados e a situação
de emergência sanitária estabelecida no país”.
'Carecas-cabeludos de pés grandes'
Relatos feitos ao GLOBO
pelo cacique Cazuza Kulina dão conta de que, há mais ou menos uma semana, um
índio chegou sozinho à aldeia e pernoitou na casa de um morador. Um dia depois,
de acordo com Cazuza, homens, mulheres e crianças (estimados entre 10 e 20
indígenas) também chegaram. O contato, considerado raro por indigenistas,
acontece em meio ao momento de maior risco desses povos por conta do avanço da
Covid-19 dentro das florestas.
Por não terem memória
imunológica para resistir às mais simples gripes, esses povos originários
correm risco de serem dizimados caso sejam contaminados.
Meirelles participou de
várias situações nas quais pôde registrar a presença de índios isolados nesta
área do rio Envira. Na mais marcante e tensa delas, em 2014, ficou frente a
frente a um grupo de isolados. (ASSISTA AO VÍDEO ABAIXO).
Meirelles aposta que pelas descrições feitas pelo cacique Cazuza Kulina ao GLOBO tem convicção de se tratar do mesmo grupo que avistou em duas oportunidades: em 2008, durante um sobrevoo quando era coordenador na Funai, e depois em 2016, na companhia do fotógrafo Ricardo Stuckert, em imagens que correram o mundo.
- Pelo fato de que
levaram vidro de garrafa para cortar cabelo é quase certo de serem os isolados
que avistamos em duas oportunidades. Eles têm a cabeça raspada até o meio e
cabelos grandes atrás, provavelmente pertencem a um grupo do tronco linguístico
pano.
No voo que fez com o
fotógrafo Ricardo Stuckert, no final de 2016, Meirelles diz ter percebido que
eles têm pés grandes também, além do corte de cabelo diferenciado.
- Essa informação de que
os homens têm cortes de cabelo diferentes é muito relevante. Mostra claramente
que eles pertencem a uma etnia que ainda desconhecemos. De acordo com o
sertanista, esse grupo de isolados vive numa área de difícil acesso, no centro
da floresta, no Alto Rio Humaitá, e se dividem em até seis aldeias. Ele estima
que há cerca de 400 indígenas isolados vivendo por lá.
- Os homens andam nus,
usando apenas uma casca de árvore em volta da cintura, onde amarram o pênis. Já
as mulheres usam uma saia feita de algodão tingido, provavelmente tecido e
fiado por elas - afirma Meirelles.
O sertanista conta,
ainda, ter conhecimento desses índios desde 1989 e que eles transitam na
fronteira entre Brasil e Peru com certa assiduidade. Há também indicações de
que eles têm o hábito de se mudar num raio de até 10km de tempos em tempos.
Procurada, a Funai afirma
que enviou uma equipe ao local. O GLOBO confirmou na manhã desta terça-feira (18/08/2020) que até o momento não havia chegado ninguém por lá.
Daniel Biasetto
18 de agosto de 2020 às 17:21
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