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sábado, 24 de agosto de 2019

Mais do que ouro (aCrítica)


Alto Rio Negro
Quando um documento vale mais que ouro

Foto: Iramylson de Freitas/Sejusc

Um documento geralmente antigo, puído, perdido em um dos compartimentos da carteira, no distrito indígena de Pari Cachoeira significa a sobrevivência. A carteira de identidade na pequena vila, no extremo Noroeste do Amazonas, vale mais que ouro. Vale comida.
Do alto de São Gabriel da Cachoeira, só o verde cobre. É preciso parar no município para abastecer o avião depois de quase três horas de voo de Manaus, a 851 quilômetros. Mais uma hora e quinze minutos depois, o piloto pede por mais olhos para examinar as condições da pista de pouso do destino seguinte.

Foto: Iramylson de Freitas/Sejusc

De terra batida e alguns muitos desníveis, a grama crescida da pista de Pari Cachoeira denuncia que o local quase não recebe visitas vindas do alto. A maioria é de homens do Exército, que têm alojamento instalado ao lado. A julgar pelas dezenas de indígenas que aguardavam por ali, a conclusão é a mesma.
O acesso principal ao distrito – não o mais simples – ocorre pelo Rio Tiqué. Barco grande não atraca. A quantidade de pedras e corredeiras só deixa que cheguem as rabetas e lanchas a motor.
Foi assim que o professor João Paulo Barroso Boc, de 31 anos, chegou ao local. Ele conduziu uma caravana de 16 alunos, de 12 a 17 anos, da comunidade São Joaquim até Pari Cachoeira. Foram dois dias pelas águas para que os estudantes da Escola Indígena Didiít pudessem tirar os primeiros documentos durante as ações do projeto PAC em Movimento.

Foto: Iramylson de Freitas/Sejusc

Sem certidão de nascimento ou RG, os adolescentes conseguem frequentar a escola, mas não constam nos registros formais da Secretaria Municipal de Educação de São Gabriel. "Essa documentação, eles estão precisando muito, porque pra eles é muito importante, sabia? Muitos alunos não têm documentação para comer", disse.
A quantidade de merenda escolar encaminhada para Didiít é enviada conforme o número de RGs registrados nas matrículas. Se há 20 alunos em uma sala e só dez deles com a documentação, por exemplo, cada um come a metade do que deveria para compartilhar com os demais. Por vezes, aquela é a única refeição do dia.

Foto: Iramylson de Freitas/Sejusc

Mais que cédulas verdes
Em 20 minutos é possível percorrer o distrito de ponta a ponta. As casas são construídas distantes umas das outras, como forma de demarcar a área de Pari Cachoeira. Desde o último dia 14 de agosto, a vila vê dezenas de tendas azuis entre os espaços vazios. São os acampamentos provisórios de moradores de 16 comunidades vizinhas que também precisavam emitir documentação.
Uma delas serviu de abrigo para o agricultor João Bosco, de 45 anos, sua esposa Helena, de 38, e os sete filhos da família Silva Ribeiro, moradores de São Joaquim.
A notícia do PAC chegou a eles como afago. Não estavam falando de cédulas verdes com o nome dos filhos, mas do direito à merenda escolar e ao auxílio do Bolsa-Família, principal fonte de renda na localidade.

Foto: Jamile Alves/aCrítica

"Só ela (esposa) tem o Bolsa-Família, mas é muito pouco. Agora eles (filhos) vão comer melhor", contou João com o português arrastado, sem espaço nas mãos para mostrar tantas identidades.
O agricultor também conseguiu retirar o Cartão do Produtor Rural, que comprova ao INSS o tempo trabalhado no setor primário e dá direito a outros benefícios. Uma semana de acampamento e um amontoado de papeis depois, ele diz esperar melhorar a vida da família.
“Eu trabalho na roça. Planto batata, mandioca, vendo nas comunidades de rabeta, mas gasolina é cara. Ganha pouco. Vai melhorar agora”, completou.

Foto: Jamile Alves/aCrítica

Cidadãos Invisíveis
Os postos do PAC Movimento foram montados na Casa Salesiana de Pari Cachoeira. Uma sala para fotos, uma para recolher assinaturas e impressões digitais e outra para solicitar o Cartão de Produtor. As longas filas no calor, os filhos no colo e uma alimentação de dias baseada em farinha e água eram esforços menores que colocar a família inteira em uma rabeta por cinco dias, até a sede de São Gabriel.
Além da distância, descer para a cidade é uma viagem que custa caro, onde cada centavo é conquistado à duras penas. Dificuldade por dificuldade obtêm-se milhares de brasileiros invisíveis, indígenas já contatados sem o título de cidadão do próprio país. Realidade vivida até os 74 anos por Augusto Brasil Pires, morador da comunidade Boca da Estrada.
Augusto é indígena da etnia Hupda e nunca tirou a carteira de identidade. Portador de uma paralisia que impediu o desenvolvimento de uma das pernas, o filho e a esposa precisam se revezar para carregá-lo.

Foto: Jamile Alves/aCrítica

“Ele conseguiu uma aposentadoria com ajuda de um político, mas o Banco do Brasil começou a cobrar a documentação. Se ele não apresentar, disseram que vão tirar dele”, explicou o tuxaua Tukano Protásio Peixoto, de 43 anos, que ajudou Augusto e a família a ir até Pari Cachoeira.
O grupo ficou alojado em um redário, montado em um Centro de Convivência, junto a outros Hupdas. A foto 3x4 de Augusto foi tirada de dentro da rede, com uma camisa branca fazendo o pano de fundo. Sem o domínio do português, ele usou a linguagem universal. Sorriu.
PAC em Movimento
A ação é realizada mensalmente pela Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (Sejusc). As atividades em São Gabriel da Cachoeira tiveram início no dia 9 de agosto, na comunidade de Iauaretê, com biometria, emissão de CPF, primeira e segunda via de carteiras de identidade e de certidão de nascimento. Somente em Pari Cachoeira, 2.662 pessoas solicitaram alguns dos documentos. Ao todo, o número de atendimentos chegou a 6,15 mil.

Foto: Jamile Alves/aCrítica

“O mais importante disso tudo é o alcance na vida de cada cidadão. A gente percebe que são crianças que precisam estudar, idosos que precisam de benefícios previdenciários, benefícios assistenciais, jovens, adultos que precisam ter acesso à saúde. Então a documentação pode parecer algo simples, mas faz muita diferença na vida deles. Não é possível se tornar um cidadão sem a documentação básica”, disse a titular da Sejusc, Caroline Braz.

Jamile Alves, 24 de agosto de 2019 às 16:02

Texto originalmente publicado por aCrítica sob o título "Quando um documento vale mais que ouro"

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Salvação da Amazônia (BBC)


Quem vai invadir o Brasil para salvar a Amazônia?
Professor de Harvard considera cenário polêmico

Num artigo, Stephen M. Walt, professor de Relações Internacionais, criou um cenário hipotético em que os EUA ameaçam invadir o Brasil para impedir a destruição da Floresta Amazônica

A data hipotética é 5 de agosto de 2025. O Brasil continua a ter um governo que defende ampliar as atividades econômicas na Amazônia e que questiona a utilidade da proteção ambiental. E, por isso, está prestes a ser atacado pelos Estados Unidos, que já não são mais governados por Donald Trump.
O presidente americano dá um ultimato ao nosso país: se não cessar o "desmatamento destrutivo" em uma semana, os EUA iniciarão um bloqueio naval ao Brasil e lançarão ataques aéreos para destruir infraestrutura estratégica brasileira.
Curiosamente, a China, que se tornou alvo de críticas e desconfiança por parte de integrantes do governo Bolsonaro, é a maior potência a intervir a favor do Brasil. O gigante asiático e maior parceiro comercial do Brasil diz que vetará qualquer proposta de intervenção armada aprovada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Mas isso não detém os EUA, que dizem já contar com uma ampla "coalizão de nações preocupadas", preparada para dar suporte às ações lideradas pelo governo americano.
Claro que esse é um cenário inventado - e polêmico. Mas seria verossímil?
Ele foi criado pelo professor de Relações Internacionais da Universidade de Harvard Stephen M. Walt, num artigo publicado na segunda-feira (5) na revista online Foreign Policy.
Walt, autor de livros sobre a política externa americana, a força do lobby israelense nos EUA e as ligações entre revoluções e guerras, e formulador da "teoria do equilíbrio da ameaça", reconhece que se trata de um cenário exagerado. Mas o objetivo central do artigo é questionar se é ou não possível justificar com regras do Direito Internacional ataques e sanções ao Brasil com base no argumento de que a destruição da Amazônia é um problema de todos.
A pergunta que Walt faz é a seguinte: “Os países têm o direito - ou até a obrigação - de intervir numa nação estrangeira para preveni-la de causar dano irreversível e potencialmente catastrófico ao meio ambiente?".

Governo Bolsonaro
O professor americano diz, no artigo, que resolveu levantar esse questionamento diante do fato de Jair Bolsonaro estar "acelerando o desenvolvimento na Amazônia" e colocando em risco "um recurso global" crucial.
Nas últimas semanas, alguns dos principais jornais e revistas internacionais publicaram reportagens com destaque negativo para o Brasil.
A capa desta semana da revista britânica The Economist traz a imagem de um toco de árvore com o formato do mapa do Brasil. O título é: "Vigília da morte para a Amazônia".

'Vigília da morte para a Amazônia', é matéria de capa da Economist dessa semana

Já o americano Washington Post publicou nesta segunda (5) um editorial dizendo que "a vontade de Bolsonaro de destruir a Amazônia é um problema de todos". E o The New York Times publicou, no dia 28 de julho, artigo com o seguinte título: "Sob líder de extrema direita brasileiro, proteções à Amazônia são cortadas e florestas caem".
"Como vocês com mais apreço pela ciência que Bolsonaro sabem, a floresta tropical é importante tanto na absorção de carbono quanto na regulação da temperatura, além de ser fonte-chave de água fresca", explica Stephen M. Walt, na Foreign Policy.
O professor de Harvard lembra que cientistas apontam que o desmatamento da Amazônia pode levar à criação de um deserto na região e reformula a frase sobre as possibilidades de intervenção estrangeira no Brasil:
"O que a comunidade internacional pode (ou deve) fazer para prevenir um presidente brasileiro mal orientado (ou líderes políticos de outros países) de adotar medidas que podem prejudicar a todos nós?"

Exceções à soberania
Walt afirma que a soberania dos países é um elemento crítico do sistema internacional. "Com algumas exceções, os governos são livres para fazer o que quiserem dentro das suas fronteiras."
Entre as exceções, estão casos em que o Conselho de Segurança da ONU autoriza intervenção militar e em que um ataque é necessário para a "autodefesa" de uma nação.
A possibilidade mais controversa, porém, se baseia na chamada doutrina da "responsabilidade de proteger", que legitima uma intervenção humanitária quando um governo é incapaz ou se nega a proteger a própria população.

Em artigo na revista Foreign Policy, Stephen M. Walt questiona se o Direito Internacional abre brecha para uma intervenção militar em prol da Amazônia

Mas Walt lembra que, por mais que existam essas possibilidades, a grande maioria dos países resiste à tentação de intervir ou de admitir qualquer interferência estrangeira em seus territórios.
"Embora a destruição da Amazônia represente uma clara e evidente ameaça a vários outros países, dizer ao Brasil para parar com isso e ameaçar intervir para deter, punir ou prevenir isso, seria um jogo completamente novo", afirma o professor de Harvard.
"E eu não pretendo só destacar o Brasil. Também seria um passo radical ameaçar os EUA e a China se eles se recusassem e emitir tantos gases poluentes."

Por enquanto, intervenção soa dramático, mas e num futuro próximo?
Walt diz que, se no momento a hipótese de um ataque ao Brasil soa exagerado ou dramático, no futuro pode se tornar mais provável que nações se disponham a intervir num país caso as previsões sobre as consequências do aquecimento global se confirmem.
Mas ele afirma que existe um "paradoxo cruel". "Os países que são os maiores responsáveis pelas mudanças climáticas são, também, os menos suscetíveis à coerção, enquanto os Estados que potencialmente podem ser mais pressionados não são as principais fontes do problema", diz.

'Os países que são os maiores responsáveis pelas mudanças climáticas são, também, os menos suscetíveis à coerção', diz o professor de Harvard, destacando que EUA, China, Japão, Rússia e Índia são os maiores emissores de gases poluentes

Walt destaca que os cinco maiores emissores de gases poluentes são China, Estados Unidos, Índia, Rússia e Japão - quatro deles (os primeiros) são detentores de armas nucleares.
"Ameaçar qualquer deles com sanções possivelmente não vai funcionar e ameaçar com uma intervenção armada é completamente irrealista", destaca o professor de Harvard.
"Além disso, não é provável que o Conselho de Segurança autorize o uso da força contra Estados mais fracos, porque os membros permanentes do órgão não vão querer estabelecer esse precedente."
Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU são China, EUA, Rússia, França e Reino Unido.

Brasil não é 'grande potência', mas...
Walt destaca que as ações do governo brasileiro contra a Amazônia podem ser uma ameaça a todo o planeta. "Mas o Brasil não é nenhuma grande potência. Ameaçá-lo com sanções econômicas ou o uso da força caso se recuse a proteger a floresta poderia funcionar", diz.
Mas uma eventual intervenção poderia ser encarada como precedente para ataques a outros países. Por isso, dificilmente o Conselho das Nações Unidas autorizaria algo assim.

Bolsonaro pressionou pela exoneração do diretor do Inpe por causa da divulgação de dados que apontam aumento de 60% no desmatamento da Amazônia em junho, na comparação com o mesmo período do ano passado

O professor de Harvard ressalta que, ao criar essas hipóteses, não está "recomendando esse tipo de ação nem agora nem no futuro". "Estou só destacando que o Brasil pode ser mais vulnerável a pressões que alguns outros países."

Outras medidas possíveis
Walt lembra que há outros remédios para esse problema, como sanções unilaterais de comércio a países que sejam irresponsáveis no cuidado com o meio ambiente. Além disso, as pessoas sempre podem organizar "boicotes voluntários" contra empresas que não adotem boas práticas.
"Alguns países já caminham para essa direção e é fácil imaginar essas medidas se tornando mais difundidas conforme os problemas ambientais se multiplicam", diz.
"Alternativamente, os países com territórios sensíveis às mudanças climáticas podem ser remunerados para preservá-los em prol de toda a humanidade."
Essa última hipótese é defendida pela maior parte dos países emergentes, inclusive o Brasil, que criticam o fato de países ricos cobrarem ações de nações mais pobres, sem compensá-las pelos esforços de proteção ambiental.
06 de agosto de 2019 às 11:00

Texto originalmente publicado pela BBC Brasil sob o título "Professor de Harvard considera cenário polêmico: 'Quem vai invadir o Brasil para salvar a Amazônia?'"

segunda-feira, 29 de julho de 2019

RDS do Tupé (Toda Hora)

Turismo Indígena
Regulamentação da RDS do Tupé

A partir de agora, só poderão levar turistas à RDS as operadoras que tenham cadastro e autorização. Deverão ser respeitadas as tradições dos povos expressas nas apresentações de rituais, musicalidade, vestimenta e modo de vida indígena.
O trabalho faz parte da mobilização em torno do ordenamento da atividade turística dos núcleos indígenas na região do Baixo rio Negro

Foto: Mario Oliveira/Semcom

A atividade turística desenvolvida pelos indígenas residentes na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Tupé passa a ser regulamentada e a cumprir regras estipuladas pela Prefeitura de Manaus, por meio do Conselho Deliberativo da RDS, formado por representantes das seis comunidades que integram a reserva, incluindo núcleos indígenas e órgãos como a Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Fundação Municipal de Cultura Turismo e Eventos (Manauscult), Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).  
A partir de agora, só poderão levar turistas à RDS as operadoras que tenham cadastro de prestadores de serviços turísticos (Cadastur) do Ministério do Turismo e autorização da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semmas), órgão gestor da RDS do Tupé. 
Normas
Publicada na edição nº 4646/2019, do Diário Oficial do Município (DOM), do último dia 25/7, a Resolução 01/2019, do Conselho Deliberativo da RDS, estabelece condições para que os prestadores de serviços turísticos possam atuar. Deverão ser respeitadas as tradições dos povos expressas nas apresentações de rituais, musicalidade, vestimenta e modo de vida indígena. 
A cobrança de valores será feita mediante acordo entre as lideranças indígenas, que servirá de parâmetro para todos os núcleos. O documento estabelece ainda a meia-entrada para estudantes e tempo mínimo de apresentação dos rituais de 30 minutos. Também proíbe o uso de bebidas alcoólicas, drogas ilícitas, exposição e utilização de animais silvestres e o acesso de visitantes às áreas de moradia e os locais sagrados sem autorização.
O trabalho faz parte da mobilização em torno do ordenamento da atividade turística dos núcleos indígenas na região do Baixo rio Negro, coordenado pelo Ministério Público Federal (MPF-AM). Desde o ano passado, esse tema vem sendo discutido em nível de conselho gestor da RDS, com o apoio da Prefeitura de Manaus, visando a criação de um regulamento de uso público do território da reserva pelos indígenas. 
“A vocação da RDS do Tupé é turística e a orientação do prefeito Arthur Virgílio Neto é a de que façamos todos os esforços necessários para o desenvolvimento da atividade de modo sustentável, não só em relação aos indígenas, como também às populações ribeirinhas”, explica o secretário municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Antonio Nelson de Oliveira Júnior. 
Atualmente, dois núcleos indígenas se destacam no receptivo de turistas na reserva - Tatuyo, Tuiúca e Dessana, residentes na comunidade São João do Tupé. Mas existem representantes de diversas outras etnias espalhadas pelas demais comunidades que integram a RDS. 
“As regras valerão para todos os povos que habitam a reserva e visam contribuir para a integridade dos ecossistemas existentes na área, a integridade física dos visitantes e das populações residentes, a valorização cultural desses povos, bem como apoiar a geração de trabalho e renda por meio do turismo sustentável”, afirma o diretor de Áreas Protegidas da Semmas, Márcio Bentes.
Segundo ele, o ordenamento turístico permitirá aos órgãos gestores ter um grau de controle sobre os impactos da atividade nas áreas onde existem núcleos indígenas. “O objetivo é ordenar, acompanhar e apoiar para que a atividade turística seja feita de maneira adequada e que todas as populações que residem no território possam ser contempladas”, complementa.
29 de julho de 2019 às 17:39

Texto originalmente publicado por TodaHora.com sob o título "Prefeitura de Manaus regulamenta turismo indígena na RDS do Tupé"

sábado, 13 de julho de 2019

Adiar o fim do mundo (Folha de São Paulo)



“É preciso adiar o fim do mundo para contar mais história”

“Parece que eles querem comer terra, mamar na terra, dormir deitados sobre a terra, envoltos na terra”, escreve o líder indígena Ailton Krenak em seu “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” (Companhia das Letras, 2019).

Ailton Krenak durante mesa "Vaza-Barris" com Zé Celso e mediação de Camila Mota - Mathilde Missioneiro/Folhapress

“Eles” não é só o povo de sua etnia, os krenak, indígenas de Minas Gerais, mas o que é visto como uma “sub-humanidade: os caiçaras, índios, aborígenes que ficaram esquecidos nas bordas do planeta, nas margens dos rios, nas beiras dos oceanos, na África, na Ásia ou na América Latina, que são os únicos núcleos que ainda consideram que precisam ficar agarrados nessa terra.”
Uma das mais proeminentes lideranças indígenas do país, Ailton Krenak está pop: convidado da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), passa o dia em bateria de entrevistas e é parado na rua por pedidos de fotos. “Quase que arrependi de ter vindo, não consigo nem dormir”, brinca.
É preciso adiar o fim do mundo, conclui o livro de Ailton, para “sempre poder contar mais uma história.”
E que indígenas tem contado histórias?
Ailton nem precisa pensar para responder, tem na manga uma lista de escritores que os brancos deveriam prestar mais atenção: Daniel Munduruku, Cristino Wapichana, Olívio Jekupé, Tiago Hakiy, Eliane Potiguara, Marcia Kambeba —” a marca das mulheres é a denúncia do genocídio. É como se o sentimento as atingisse mais”, diz.

Quarto dia de Flip tem mesa com cordelista Jarid Arraes e Ney Matogrosso

“Depois de terem passado muito tempo lutando por demarcar a terra, os povos indígenas resolveram demarcar a tela”, diz ele, que cita também os cineastas Alberto Alvares e o kaxinawá Zezinho Yubê como alguns dos realizadores a se prestar atenção.
“Ideias para Adiar o Fim do Mundo” é um compilado de duas palestras e uma entrevista que o Ailton deu entre 2017 e 2019 em Portugal, “lugar que evitei visitar durante 50 anos”, ele conta à Folha
“Quando teve a celebração dos 500 anos das viagens dos portugueses pelo mundo afora, fizeram um evento, me convidaram e eu não fui. Achei que era uma festa portuguesa, e ainda por cima ia celebrar a invasão do meu mundo, então eu não ia fazer coro com essa turma.”
Mas “com o tempo, a gente vai ficando mais tolerante a algumas coisas que não suporta na juventude”, afirma. 
Em Paraty, participou de mesa com o diretor de teatro Zé Celso —que abriu agitando um chocalho, num ritual conhecido por Teru Ande entre os krenak, de invocação dos espíritos marét— e deu autógrafos.
Na outra ponta, outros indígenas são vistos aos montes vendendo artesanato sentados nas ruas da cidade histórica —há povos guarani e pataxó na região. 
“O povo indígena continua sem ter um lugar, e esse lugar tem que ser buscado a cada dia, como uma reinvenção do mundo. O lugar dos índios na Flip [como convidado] é um lugar simbólico. Ele não muda nada”, diz Ailton.
“Quem ainda demarca os territórios são os brancos, em Paraty é a mesma coisa. A cidade é celebrada pela sua colonialidade. Se isso fosse só na arquitetura, estava bem composto. A questão é que isso está também na cultura. Nós estamos imersos no colonialismo até o pescoço.”

Florestania
Se a violência do Estado tira o direito de povos tradicionais à cidadania, nas palavras de Ailton, é preciso pensar em uma coisa nova. “Uma outra experiência que chamamos de ‘florestania’: construir espaços de convivência, criação e reprodução da cultura em termos de povos que vivem mais na natureza, na floresta.”

É o embate entre natureza e cidade a principal marca de diferença entre povos, nas palavras do líder indígena. “Não de raça ou de cor, nada disso, mas uma compreensão do que é que importa para viver: um rio com água limpa, a terra com saúde.”

Os krenak vivem na margem esquerda do rio Doce (Watu, na língua deles), que foi inundado em 2015 por um mar de lama de rejeito de mineração da Samarco.

“As comunidades que vivem à beira do rio têm que ser abastecidas por caminhão pipa, têm que receber suprimentos de fora porque não conseguem produzir seu próprio alimento, e estão em estado de refugiados em seu próprio território. Essa é a situação dos krenak.”
Não poluir um rio inteiro é uma boa ideia para adiar o fim do mundo, diz.

(Krenak é a junção de dois termos na língua dos borun: kre, cabeça, e nak, terra)
Thiago Amâncio, 13 de julho de 2019 às 12:20

Texto originalmente publicado pela Folha de São Paulo sob o título "'É preciso adiar o fim do mundo para contar mais história', diz autor indígena"

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Parceria FAO e OTCA (FAO)



ONU
FAO firma parceria para proteger recursos naturais e povos da Amazônia

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) firmaram nesta quarta-feira (26) uma nova parceria para trabalhar na conservação e na restauração dos recursos naturais na Amazônia. A cooperação entre os organismos prevê um diálogo permanente com as comunidades locais e os povos indígenas da região.

Vista aérea da Floresta Amazônica, próximo a Manaus (AM). Foto: Flickr (CC)/CIAT/Neil Palmer

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) firmaram nesta quarta-feira (26) uma nova parceria para trabalhar na conservação e na restauração dos recursos naturais na Amazônia. A cooperação entre os organismos prevê um diálogo permanente com as comunidades locais e os povos indígenas da região.
O acordo das duas instituições lança as bases para fortalecer a gestão sustentável de uma área que é fundamental ao equilíbrio climático do mundo. A parceria vem acompanhada de um plano de ação para superar as brechas econômicas e sociais que persistem na Amazônia.
“Os desafios da região amazônica, como os de todos os outros ecossistemas de grande importância, são tanto de caráter ambiental, social e econômico, como cultural. A Amazônia sofre ameaças que vão desde a mudança do uso do solo e da terra, o desmatamento, a implementação de certas infraestruturas sem boas práticas até o comércio ilegal da fauna e da flora”, afirmou a secretária-geral da OTCA, Alexandra Moreira Lopez, durante a assinatura do acordo.
“Essa colaboração nos ajudará definitivamente a trabalhar em áreas muito importantes, como a gestão sustentável da floresta amazônica e de seus recursos hídricos.”
A especialista ressaltou ainda a importância de proteger um ecossistema “vasto e rico em recursos naturais”, sem esquecer que ele é habitado por 40 milhões de pessoas.
“Não podemos falar apenas de uma gestão de preservação dos recursos naturais, mas, necessariamente, também temos que falar do uso sustentável da sua biodiversidade e (falar) em gerar instrumentos e ferramentas para as economias dessa região”, disse Alexandra.
A especialista defendeu a criação de oportunidades para os moradores da Amazônia, a fim de diminuir as desigualdades que existem na região e em toda a América Latina. “O trabalho conjunto permitirá que sejamos criativos na geração dessas ferramentas e na melhoria das cadeias produtivas derivadas do fornecimento de produtos da floresta e dos recursos hídricos, incluindo os produtos pesqueiros e da aquicultura.”
O diretor-geral da FAO, o brasileiro José Graziano da Silva, enfatizou a importância da cooperação internacional para a proteção da Amazônia e dos seus povos.
“Acredito que todos estamos de acordo com (o fato de) que, se não unirmos esforços, não conseguiremos preservar o patrimônio fundamental que a Amazônia representa nem conservar as tradições e modos de vida que permitiram que a biodiversidade do pulmão do planeta beneficiasse não apenas os oito países da Bacia Amazônica, como também toda a humanidade”, afirmou o chefe da agência da ONU.
A FAO tem uma ampla tradição de trabalho em questões de floresta, preservação dos recursos hídricos e do meio ambiente e apoio aos direitos dos povos indígenas. O organismo é uma das organizações convidadas a dar contribuições técnicas para a Assembleia Especial para a Região Pan-amazônica, realizada pelo Sínodo dos Bispos, encontro convocado pelo Papa Francisco para outubro de 2019, no Vaticano.
A Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) é uma instituição intergovernamental formada por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. A entidade incentiva o desenvolvimento sustentável e a inclusão social na Amazônia.
26 de junho de 2019 às 16:48

Texto originalmente publicado por Nações Unidas Brasil sob o título "FAO firma parceria para proteger recursos naturais e povos da Amazônia"

domingo, 16 de junho de 2019

Antigas Civilizações da Amazônia (Folha de São Paulo)

O Fim das Civilizações da Amazônia

Secas e uso excessivo de recursos




Urna funerária marajoara - Marie-Lan Nguyen/Wikimedia Commons



Da Bolívia à ilha de Marajó, sociedades complexas não faltavam na maior floresta tropical do mundo
O que caracteriza uma civilização em colapso? Diante desse tema portentoso, talvez venha à cabeça da maioria das pessoas a antiga Roma sendo engolida pelos bárbaros ou o misterioso fim das metrópoles maias. Existem exemplos igualmente interessantes, porém, bem mais perto de nós, em vários pontos da Amazônia.
Sim, a Amazônia, aquele lugar no qual quase todo mundo pensa quando vê memes falando da época “em que aqui era tudo mato”. Tudo mato, vírgula, gentil leitor.
Por volta do ano 1000 da Era Cristã, num arco gigantesco que ia da Bolívia à ilha de Marajó, sociedades complexas e populosas não faltavam na região correspondente à maior floresta tropical do mundo. Entretanto, antes mesmo do impacto apocalíptico da invasão europeia a partir do século 16, várias dessas sociedades sumiram do mapa. A pergunta que não quer calar é, obviamente: por quê? 
Uma tentativa ambiciosa de elucidar esse mistério está prestes a ser publicada na revista científica Nature Ecology & Evolution. Os responsáveis pelo estudo são membros de uma equipe internacional de cientistas, coordenada pelo arqueólogo brasileiro Jonas Gregorio de Souza, da Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona.
O time de pesquisadores resolveu examinar a intersecção entre a organização econômica e social desses antigos grupos amazônicos, de um lado, e as idas e vindas do clima, de outro. Para isso, valeram-se de dados obtidos a partir de sedimentos do fundo do Atlântico e de um lago dos Andes, bem como de estalagmites de cavernas no Brasil. Flutuações na composição química dessas amostras funcionam como um calendário das alterações climáticas enfrentadas pela Amazônia ao longo dos séculos.  
Para entender as conclusões da análise, vale a pena considerar as sociedades pré-colombianas nas pontas leste e oeste da Amazônia. Do lado oriental, temos a cultura que dominou a ilha de Marajó (PA) entre os anos 400 d.C. e 1200 d.C., mais ou menos. Esse povo construiu morros artificiais como forma de se adaptar às enchentes periódicas da ilha. Nessas grandes plataformas, havia aldeias com população numerosa e rituais funerários cheios de pompa, que deixaram para trás uma cerâmica sofisticada. Os antigos marajoaras tinham ainda represas nas quais praticavam a criação intensiva de peixes.
Já no oeste, do lado boliviano, os habitantes dos chamados Lhanos de Moxos também lidavam com um ambiente relativamente aberto e periodicamente inundado, como Marajó, mais ou menos na mesma época. Construíram intrincados sistemas de canais e campos elevados para uso agrícola, o que parece ter levado ao controle desses recursos por uma elite.
Quando ondas de seca se abateram sobre a região, o que aconteceu com ambas essas sociedades poderosas? Sim, você adivinhou: colapso. Ao que parece, a dependência do uso intensivo de recursos hídricos e agrícolas e as hierarquias rígidas aumentaram a vulnerabilidade desses grupos às flutuações do clima.
Ao mesmo tempo, porém, as aldeias monumentais do Alto Xingu, com suas fortificações e estradas largas, e a “metrópole” que existia onde hoje fica Santarém (PA), sobreviveram. Esses locais resistiram ao colapso porque teriam baseado sua economia em sistemas agroflorestais - basicamente, florestas com espécies selecionadas para uso humano, suplementadas com lavouras mais modestas. Era uma estratégia mais conservadora, voltada para o longo prazo, e não para os ganhos de curto prazo.
Reinaldo José Lopes, 16 de junho de 2019 às 02:00

Texto originalmente publicado pela Folha de São Paulo sob o título "Secas e uso excessivo de recursos podem explicar fim de civilizações da Amazônia"

quarta-feira, 15 de maio de 2019

Amazônia alternativa (O Globo)



A Amazônia tem muitas alternativas


Embora aparentemente presa num infindável confronto entre preservação ambiental e desenvolvimento, a Amazônia brasileira tem, sim, caminhos para fazer sua economia crescer, para elevar a qualidade de vida da população e manter o compromisso com a conservação. É preciso, porém, romper o cerco que sofre de uma série de forças econômicas adversárias.
Fale-se hoje de Amazônia, em Brasília ou nas regiões mais desenvolvidas do país, e se ouvirão críticas ao modelo que vem até hoje garantindo emprego e renda, a Zona Franca de Manaus. O que mais se ouve é que se trata de algo inteiramente artificial, dependente de subsídios embutidos em renúncia fiscal. Falso.
A Zona Franca de Manaus representa aproximadamente 8% do total da renúncia fiscal do país, embora seja o único segmento econômico incentivado que busca a diminuição das desigualdades regionais sociais no país. Sim, é o único desses segmentos que visa diminuir a miséria e a pobreza de uma região historicamente abandonada pelo poder público. Veja-se a série de renúncias que beneficiam outros setores, como a indústria automotiva, em grande parte localizada no centro sul do país. São renúncias existentes desde a década de 60 – e que não foram capazes até hoje de produzir um carro brasileiro, quanto mais uma marca brasileira.
Para não ter de listar todos, vamos lembrar as renúncias via empréstimos do BNDES com juros subsidiados, a grandes empresas, que não precisam de subsídios, mas que, sob a proteção dessas autoridades e desses economistas, navegam sem sofrer ataques.
Por que será que esses economistas não disparam seus maldosos ataques a 92% dos incentivos fiscais espalhados pelo país?
Veja-se aí mais uma vez a extensão dos injustos ataques à Zona Franca: todos os comentários mencionam que decisão recente do Supremo Tribunal Federal sobre créditos do IPI implicará aumento de R$ 16 bilhões na renúncia fiscal da União. Trata-se de cálculo feito a partir de uma base mentirosa, que inclui uma série de produtos sem relação com a sentença do STF. Apesar disso, é o que circula como o único número citado na matéria sobre o corte dramático de incentivos. O verdadeiro efeito da decisão não chegará a R$ 1 bilhão.
Tratam a Zona Franca de Manaus como se fosse o único programa econômico a utilizar incentivos fiscais. Não apenas isso é falso como o volume de subsídios eventualmente dirigido à Amazônia representa apenas uma pequena parcela dos incentivos de natureza fiscal hoje existentes no país.
Todos os 92% de incentivos fiscais restantes, como vimos, seguem para regiões ricas do país. E existe uma distorção adicional. A renda da Zona Franca provém exclusivamente da produção. São bens físicos, lá confeccionados, que representam seu faturamento. Compare-se isso com os subsídios dados pelo BNDES a gigantes econômicos para, digamos, comprar frigoríficos nos Estados Unidos.
Não quero aqui dizer que os parâmetros seguidos pela Zona Franca são perfeitos. Precisam de revisão. Deve ser feita. Mas não se conhece qualquer modelo alternativo que renda R$ 98 bilhões por ano nem mantenham 84 mil empregos, o que é indispensável para a região. O Estado do Amazonas preserva algo em torno de 96% de suas florestas. O desmatamento ocorre em suas bordas, na divisa com outros estados. Advém da expansão da fronteira agrícola. Um estudo aprofundado e minucioso da Fundação Getulio Vargas vincula o modelo da Zona Franca a essa conservação ambiental.
Temos alternativas, sim. Todas elas envolvem nossos recursos naturais. Hoje atendemos a uma série de condições, na maioria com forte respaldo de fora, que tolhem esse aproveitamento de recursos, em especial minerais. Vizinhos queridos, como os irmãos paraenses, não adotaram os mesmos condicionamentos. No esforço pelo desenvolvimento e pela melhoria de vida de suas populações apostaram na pecuária, na mineração, na exploração de madeira, sacrificando grande parte de suas florestas.
Caso retirem as amarras, ou caso nós mesmos preferirmos esse caminho, temos condições de promover verdadeira explosão econômica. Fiquem as amarras ambientais e permanecerá nossa dependência da Zona Franca de Manaus, com seus méritos e com suas deficiências.
Mas contamos também com amigos e aliados de grande relevância. Contamos com quem compreende a importância da Amazônia e a importância de se elevar o padrão de vida de sua população, combinada com a conservação do meio ambiente. É a voz deles que precisamos ouvir agora.
Plínio Valério - Senador (PSDB-AM)
15 de maio de 2019 às 00:00

Texto originalmente publicado por O Globo Opinião sob o título "Artigo: A Amazônia tem muitas alternativas"