Amazônia
O Avanço Ilegal da Soja (DW)
Maior produtor do grão do país, Mato Grosso
vive alta de desmatamento e de ilegalidade. Na safra 2018/2019, 64% das novas
áreas plantadas estavam no bioma amazônico.
Plantação de soja no Mato Grosso. A soja ocupa 10 milhões
de hectares do Mato Grosso.
Nos campos de soja de Mato Grosso, a temporada
de colheita da planta está no fim. Parte da safra, com previsão de render 34
milhões de toneladas, já começa a embarcar rumo ao principal consumidor: China.
Em Sorriso, norte do estado, o grão enche os silos, as construções mais altas
da cidade. De lá até Sinop pela BR 163, lavouras contínuas de soja se estendem
por quilômetros, ocupando até terrenos na área urbana – ao lado de
restaurantes, casas e centros de compras.
No principal estado produtor do país, o
plantio de soja ocupa 10 milhões de hectares, área maior que Portugal. "O
Mato Grosso se desponta devido à estabilidade do clima, tem as estações de
chuva e de seca", afirma Tiago Stefanello, presidente do Sindicato Rural
de Sorriso e representante da Associação dos Produtores de Soja e Milho do
Estado de Mato Grosso (Aprosoja).
Em 2019, Mato Grosso também se destacou em
outro ranking. Depois do Pará, o estado é o segundo maior responsável pelo
desmatamento da Floresta Amazônica. Medições feitas pelo Instituto de Pesquisas
Espaciais (Inpe) no programa Prodes, que verificou o desmatamento anual de
julho de 2018 a agosto de 2019, mostram um aumento de 25% nas taxas de
desmatamento em relação ao período anterior.
A produção de soja na Amazônia. Assistir ao vídeo
09:03.
A ilegalidade predomina: em 85% das áreas, o
corte foi clandestino. "Mais da metade do desmatamento (56%) aconteceu em
grandes propriedades rurais. Foram desmatamentos grandes, facilmente detectados
pelo sistema de monitoramento via satélite", comenta Vinícius Silgueiro,
coordenador de Geotecnologias do Instituto Centro de Vida (ICV).
Questionado sobre uma possível relação entre
desmatamento e expansão da soja, Stefanello diz não acreditar nas taxas divulgadas
pelo Inpe. "Tem um monte de parque, de terra indígena que queima e colocam
tudo na conta do produtor", responde à DW Brasil.
Onde o corte da floresta foi autorizado, não
há dúvidas sobre a intenção de quem desmatou. "Os municípios que lideram o
desmatamento legal estão na zona de expansão da soja. É quem tem dinheiro para
viabilizar as emissões de autorizações e licenciamento de forma mais
rápida", complementa Silgueiro.
Relações indiretas
Pesquisadores rastreiam há décadas a ligação
entre o sumiço da Floresta Amazônica e a expansão da soja e apontam que,
atualmente, a conversão direta da mata nativa em área de cultivo é menos comum
que em períodos anteriores à Moratória da Soja. Declarada em 2006, os
signatários do acordo firmaram o compromisso de não comprar soja de áreas
desmatadas.
"A influência da soja nessa dinâmica pode
ser entendida como indireta, porque seu avanço sobre as pastagens pode
estimular o avanço da pastagem para as florestas", comenta Nathália
Nascimento, que acaba de publicar um artigo sobre a pesquisa desenvolvida no
Inpe.
Infográfico da Produção Global de Soja.
"Alguns estudos recentes apontam que, com
a soja ocupando áreas de pastagens, a pecuária busca novos espaços e leva a
mais desmatamento", pontua Nascimento. "Mas isso também depende do
contexto da região", ressalta.
Stefanello afirma que entre os associados
produtores de soja de Sorriso "muito raramente se fala em abertura
ilegal". "O que a gente nota e vê, é que a soja está indo para as
áreas que eram de pecuária. As pecuárias extensivas que, nos anos anteriores
faziam as queimadas, jogavam pasto para o boi, hoje a viabilidade da
agricultura é melhor que a pecuária", responde.
De uma forma ou de outra, a lavoura segue rumo
à floresta. Na safra 2018/2019, 64% das novas áreas plantadas no Mato Grosso
foram no bioma amazônico, somando 144 mil hectares, segundo mapeamento feito
pela Universidade Estadual de Mato Grosso, disponível para consulta pública.
Avanço pelo portal
Nomeada a capital do agronegócio brasileiro
por decreto federal, Sorriso está no chamado portal da Amazônia. Nesta área de
transição entre cerrado e bioma amazônico, o projeto de ocupação populacional
iniciado no governo militar atraiu majoritariamente agricultores do sul do
país.
Vista aérea de campos de plantação. Plantação
de soja na Amazônia: pesquisadores rastreiam há décadas a ligação entre o
sumiço da floresta e a expansão da soja.
"Esses colonos foram assentados nessa
região, e não teve nenhuma política de assentamento, de treinamento dessas
pessoas. O que eles tinham de riqueza era a floresta", pontua Domingos de
Jesus Rodrigues, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
"Então tiraram a madeira, depois veio a pecuária e, mais tarde, a
soja."
A família de Stefanello chegou nessa época.
"As famílias eram obrigadas pelo governo a abrir ou perdiam a terra. Hoje
a gente é obrigado a preservar", argumenta.
Foi na década de 1990 que a soja iniciou sua
soberania. O trabalho de pesquisa e adaptação de espécies feito pela Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) foi fundamental para que o estado
se tornasse o maior produtor nacional na safra 2000/2001.
Pressão sobre a agroecologia
Na contramão deste cenário, a poucos
quilômetros de Sinop – que também se considera capital do agronegócio e está
dentro da Amazônia – os moradores do assentamento 12 de outubro tentam levar a
agroecologia adiante.
"Como a gente está nesse local, o portal
da Amazônia, a gente tinha mais esperança de produzir de forma saudável",
afirma Marciano Manoel da Silva, assentado ligado ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Produtor de hortaliças e vegetais sem uso de
agrotóxicos, Silva diz que o assentamento sofre constantes ameaças. "Nós
sentimos o cheiro do veneno que é passado ao redor, nas fazendas, de avião. O
assentamento a todo momento está sendo seduzido pelo agronegócio, com falsas
promessas de pessoas para arrendar sítio e plantar soja", detalha.
Futuro de bom senso
Do campus de Sinop da UFMT, a bióloga Ana
Lúcia Tourinho acompanha o mapa do desmatamento com preocupação. "Nós
estamos vendo a fragmentação da Amazônia, aumento do desmatamento e do fogo. A
perspectiva não é positiva, mas de perdas drásticas", analisa.
Tourinho ressalta que essas perdas acabam
reduzindo os próprios serviços prestados pela floresta à economia do país.
"A mata nos presta serviços como o de polinização, onde a vida segue
acontecendo livremente, sem que a gente precise pagar por isso", detalha.
Além disso, frisa a bióloga, é preciso
considerar a íntima ligação entre floresta e produção de água. "As árvores
tiram a água do fundo, de graça, e devolvem para a atmosfera", explica,
fazendo menção à origem de boa parte das chuvas que caem na região.
O pesquisador da UFMT Domingos de Jesus
Rodrigues é categórico: "Se a floresta desaparecer, vai ser uma perda
muito grande, principalmente para a população humana. Porque nós teremos
desertificação, redução de chuvas, aumento de calor, e isso contribuirá
negativamente para a sobrevivência dessas populações", resume as
principais conclusões de estudos científicos feitos nas últimas duas décadas.
O bom senso, defende, é que dois lados
dialoguem. "Porque precisamos de alimento, mas também precisamos da
preservação ambiental", afirma. "A preservação da floresta garante a
sustentabilidade do agronegócio", resume.
Nádia Pontes (de Sinop e Sorriso), 21 de abril de
2020.
Deutsche Welle, Alemanha.
Com apoio do Rainforest Journalism Fund e
Pulitzer Center.