Amazônia
A Capital do Desmatamento (DW)
Com 2,5 milhões de cabeças de gado, o
município de São Félix do Xingu, no Pará, foi responsável por um terço da
destruição da floresta em 2019 – grande parte dentro de uma área de conservação
ambiental.
Área
desmatada em São Félix do Xingu. São Félix do Xingu viu o desmatamento saltar
100% em um ano.
Pelas estradas de terra que cortam
São Félix do Xingu, no sudeste do Pará, na Amazônia, o movimento de caminhões
boiadeiros é intenso. As carretas maiores levam até 30 animais. Eles são
transportados entre fazendas e cruzam o rio Xingu sobre balsas até os cinco
frigoríficos da região.
O município do Pará, que tem o dobro
da área da Holanda, é o campeão em cabeças de gado no Brasil: cerca de 2,5
milhões foram contabilizadas na última vacinação, em 2019, segundo dados do
Sindicato dos Produtores Rurais.
De São Félix do Xingu também parte
carga para outros países. "Esse gado vai para China, Estados Unidos. E
temos navios que pegam o nosso boi vivo aqui e levam para África, Ásia",
detalha Arlindo Laureano Rosa, presidente da entidade.
Com o preço da carne em alta, Rosa
lamenta que não haja mais espaço para a pecuária crescer no município.
"Acabou o crescimento devido ao meio ambiente", justifica. "Não
pode desmatar mais, não pode abrir mais espaço para criar mais boi, então a
pecuária praticamente vai ser daqui pra trás", complementa.
A rapidez com que a Floresta
Amazônica foi destruída em 2019 no município impressiona. O monitoramento anual
feito pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostra que São
Félix do Xingu foi responsável por um terço do desmatamento em toda a Amazônia.
Gado e
desmatamento na Amazônia. Assistir ao vídeo 09:43.
Dos 9,2 mil quilômetros quadrados
derrubados, 3,8 mil foram perdidos na cidade, onde o salto da destruição foi de
100% em um ano. Grande parte do desmatamento ocorreu dentro de uma unidade de
conservação: a Área de Preservação Ambiental Triunfo do Xingu.
"Comumente, o desmatamento está
diretamente associado ao roubo da terra. O desmatamento é o modo pelo qual
grileiros controlam o território", analisa Mauricio Torres, professor da
Universidade Federal do Pará. "Uma vez que a grilagem se consolida, essas
terras são geralmente vendidas e, aí, chega à pecuária."
Na avaliação de Torres, a legislação
federal e as estaduais são, desde 2009, mais flexíveis ao grileiro. "E
ficaram mais ainda. Logo, esse processo tende a acelerar muito a grilagem de
terras e, como grilagem não se conjuga sozinha, podemos esperar o proporcional
aumento do desmatamento e da violência", avalia.
Embargo e “laranjas”
Há pouco mais de um ano à frente do
Ministério Público Estadual na cidade, Carlos Cruz da Silva lista o principal
crime investigado pelo órgão: "O desmatamento irregular é, sem dúvida, a
principal ação criminal com que nos deparamos aqui em São Félix do Xingu."
Dentre as principais dificuldades no
combate a esse crime, está o uso de laranjas pelos criminosos. "Os
mandantes dessas ações de destruição da cobertura vegetal dificilmente são
identificados. Eles colocam essas áreas sobre a posse de nome de terceiros que,
muitas vezes, são pessoas humildes sem qualquer patrimônio", explica
Silva.
Infográfico
do desmatamento da Amazônia brasileira.
Segundo o Ministério Público, agentes
do Ibama, quando chegam para uma fiscalização, enfrentam uma rede de
articulação de grupos locais para neutralizar as operações.
"Quando o veículo do Ibama se
aproxima do município, imediatamente um grupo de pessoas começa a fazer
ligações para os grupos na zona rural para que se 'protejam' da ação
fiscalizatória", exemplifica Silva. "Os fazendeiros têm tempo para
retirar seus gados da área embargada, retiram suas máquinas e tratores dos
locais em que a infração está ocorrendo, dissipam o grupo de trabalhadores que
está executando as suas ordens."
Um levantamento do Sindicato dos
Produtores Rurais aponta 12 mil propriedades rurais cadastradas em São Félix.
Até o fim do ano passado, 60% delas sofriam algum tipo de embargo. A causa,
admite Rosa, do sindicato dos fazendeiros, está ligada ao desmatamento ilegal.
"Estão embargadas porque
geralmente surge um fogo. Às vezes o caboclo vai fazer uma rocinha, um
desmatamento pequeno, às vezes até maior um pouco, daí o Ibama vem e
embarga", justifica, sem mencionar que o ato seria infração prevista na
legislação.
Terra sem documento
Território tradicional de populações
indígenas, a cidade de São Félix do Xingu começou sua história no ciclo da
borracha, com exploração do látex, no início de 1900. A partir de 1980, a
exploração do mogno atraiu mais pessoas para a região. Foi em meados dos anos
de 1990 que o gado começou a ocupar o espaço das florestas originárias.
Amazônia
brasileira: uma história de destruição. Assistir ao vídeo 02:59.
Arlindo Laureano Rosa, nascido em
Goiás, diz que foi um dos pioneiros. Em 1994, convidado para um casamento,
visitou São Félix. "Gostei e fui trazendo parceiros", diz.
"Comprei propriedade. A gente abriu muita fazenda, mas perdemos muito também.
Naquele tempo, só roçava e queimava, não tinha trator."
Oficialmente, porém, as ocupações da
terra são irregulares. Os terrenos não têm documentos válidos de titulação, uma
questão comum na Amazônia. "O que chamam de 'abrir fazenda' é derrubar
floresta", pontua Torres. "Propriedade é aquela com escritura
registrada. O termo técnico para esses casos é detenção de terras públicas,
algo ilegal", afirma o pesquisador.
"Eles se dizem proprietários de
terra, mas não são. Eles exercem a mera detenção das terras que são da União ou
do estado do Pará", esclarece Silva, do Ministério Público. "O que a
gente verifica é que o poder sobre esses locais foi ao longo do tempo sendo
constituído exclusivamente pela força", adiciona.
Visão de futuro
Próximo a uma das estradas de terra,
Maria Helena Gomes espera a filha mais velha, de cinco anos, chegar da escola.
O sítio onde mora foi comprado há dez anos de outro morador, que havia transformado
a floresta em pastagem.
Com o marido, Gomes recuperou uma
área, onde mantém dez mil pés de cacau. Com apoio do Imaflora, Instituto de
Manejo e Certificação Florestal e Agrícola, eles rotacionam o gado em pequenas
partes de terrenos separados por faixas de árvores plantadas.
"Eu penso no futuro dos nossos
filhos", comenta Gomes. "O futuro é meio incerto se continuar
desmatando como está. A gente já vê o desequilíbrio ambiental que anda, chove
demais, é seca demais. A gente não pode mudar o mundo, mas a gente pode fazer a
parte da gente. E a terra que a gente tem a gente tenta cuidar", diz.
Nádia
Pontes (de São Félix do Xingu), 17 de abril de 2020.
Deutsche
Welle, Alemanha.
Com
apoio do Rainforest Journalism Fund e Pulitzer Center.
Nenhum comentário:
Postar um comentário