Fundo Amazônia
Alta Floresta sofre com a paralisia
Comunidades
rurais eram as maiores beneficiadas com recursos do fundo. Cidade já esteve em
lista inglória de maiores desmatadores e conseguiu virar a página com apoio de
projetos bancados pela iniciativa.
Pedro
Lopes da Silva era garimpeiro, e o projeto financiado pelo Fundo Amazônia mudou
sua mentalidade.
O ano
de 2020 seria promissor para Pedro Lopes da Silva. Aos 75 anos, ele se
preparava para receber novos integrantes de um projeto que, desde 2010, fez
brotar florestas do tamanho de mais de 2.700 campos de futebol em cidades do
extremo norte de Mato Grosso.
Seria
o décimo ano de vida do projeto Sementes do Portal, onde Silva atua desde o
início. Em sua nova fase, o plano era dobrar a área de vegetação recuperada e
aumentar a renda dos participantes da iniciativa. Seriam mais de 2 mil famílias
envolvidas no total, pequenos produtores rurais que coletam sementes e fazem o
plantio para restauro da mata e produção de sistemas agroflorestais.
Mas
toda a expectativa foi frustrada. Desde que Jair Bolsonaro assumiu a
presidência e o Ministério do Meio Ambiente paralisou o Fundo Amazônia no
início de 2019, o Sementes do Portal parou também.
É do
fundo que vem o dinheiro pago pelo trabalho de todas as famílias beneficiadas.
Em troca, elas oferecem a garantia de que a Floresta Amazônica não é derrubada
– sem terem que devolver o dinheiro investido.
Estabelecido
em 2008 com doações principalmente de Noruega e Alemanha, o Fundo Amazônia
financiou mais de 100 projetos de combate ao desmatamento e geração de renda no
Brasil. Depois de assumir a pasta do Meio Ambiente, Ricardo Salles tentou
reformular as regras desse acordo que, até então, era voltado exclusivamente
para a proteção da maior floresta tropical do mundo. Até hoje, nenhuma proposta
concreta foi apresentada.
Em
2019, ano de alta de 29,5% de desmatamento na Amazônia, o fundo não aprovou
sequer um novo projeto. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não respondeu
aos questionamentos da DW Brasil.
Do
garimpo ao restauro
Pedro
Lopes da Silva chegou à região de Alta Floresta como garimpeiro. A entrada para
o projeto fez com que mudasse sua mentalidade. As mãos, que já reviraram a
terra e poluíram o ambiente com mercúrio, passaram a coletar e plantar sementes
que viraram árvores.
"Tive
conhecimento para dar valor ao meio ambiente. A mata, os rios, as águas não são
separados da gente, a gente faz parte da natureza", explica. "E
também é uma fonte de renda", adiciona.
Na
casa de sementes que coordena, os latões de papelão estão praticamente vazios.
A essa altura, época das chuvas, o plantio estaria a todo vapor. As famílias
estariam recebendo o pagamento pelas primeiras sacas de sementes coletadas.
A
paralisia do projeto Sementes do Portal desanimou o grupo. A proposta, que em
2020 entraria na sua terceira fase, foi uma das primeiras aprovadas pelo Fundo
Amazônia, em 2010.
"O
Fundo era um recurso que realmente apoiava as comunidades nesta região
amazônica", comenta Ana Carolina Bogo, do Instituto Ouro Verde, ONG
executora do Sementes do Portal.
"Não existem mais recursos disponíveis desta forma, que não exigem
devolução do dinheiro", lamenta.
Na
casa de Diversina Silveira de Jesus, que faz parte do projeto, o verde começa a
voltar nas áreas de nascentes. O assentamento onde mora já funcionou como
estoque de madeira que era extraída da mata. A família transformou o lugar numa
agrofloresta, com pés de limão, banana e outros frutos.
Aos
poucos, ela convenceu o marido a entrar para o Sementes do Portal. José Quadros
de Jesus conta que já derrubou muita área de floresta para "patrões"
que grilaram terras públicas.
"Eu
exerci essa profissão por muito tempo, só derrubando, formando fazenda,
plantando capim", admite Jesus. "Era só para abrir, só para segurar
as propriedades para o fazendeiro", conta sobre o passado. Hoje, ao lado
da esposa, ele diz que gostaria de ajudar a recuperar a floresta que ele mesmo
ajudou a derrubar.
Passado
inglório
Em
Alta Floresta, a história do desmatamento desenfreado estimulou uma mudança de
rumo. Em fevereiro de 2008, o município apareceu na primeira lista elaborada
pelo Ministério do Meio Ambiente que reunia os maiores desmatadores da
Amazônia.
"Isso
trouxe uma insegurança jurídica para o município, uma instabilidade, se isso
iria inviabilizar a parte econômica, se os produtores poderiam comercializar
sua carne", relembra José Alessandro Rodrigues, funcionário da prefeitura.
O
ponto de virada foi apostar numa estratégia que recuperasse áreas desmatadas e
ajudasse o produtor a legalizar suas terras por meio do Cadastro Ambiental
Rural (CAR), previsto no Código Florestal. O dinheiro para viabilizar a
proposta veio do Fundo Amazônia.
"O
projeto Olhos D'água da Amazônia conseguiu efetivar mais de cinco mil hectares
de área em parceria com os produtores do município e deu a condição de
regenerar essas áreas, ou fazer o restauro, ou fazer sistemas
agroflorestais", explica Rodrigues, diretor executivo da iniciativa da
prefeitura municipal de Alta Floresta.
O
pecuarista Valdemir Rugeri beneficiou-se do plantio de árvores.
Cinco
anos depois, Alta Floresta saía da lista inglória. O município tinha cumprido a
meta imposta pelo MMA para "limpar o nome": reduzir o desmatamento e
regularizar pelo menos 80% das propriedades por meio do CAR.
O
pecuarista Valdemir Rugeri foi um dos beneficiados. Perto de uma nascente, a
área que reflorestou já tem árvores altas. Desde então, a água passou a correr
ali todos os meses do ano.
"No
futuro vai ficar melhor ainda porque fica uma lembrança de que já foi ruim, mas
hoje se torna uma coisa boa para o nosso município, para o país, e acho que
para o mundo", opina.
Futuro
incerto
Alta
Floresta tenta agora manter essa posição favorável, de cidade que abandonou o
desmatamento. Mas, com o fim do Fundo Amazônia, a pressão vem de todos os
lados.
"Esse
modelo de agronegócio que era mais na área central do Mato Grosso, baixada
cuiabana, tem subido e a soja já está muito presente na região. Tem algumas
comunidades em que ela já tomou conta", avalia Ana Carolina Bogo. "A
gente tem observado isso… Arrendamento de área, as pessoas saindo, a soja vem
fazendo essa pressão da saída".
Renato
Farias, do Instituto Centro de Vida, lamenta o apoio que a agricultura familiar
perde com o fim do Fundo Amazônia. "A nossa região tem um potencial
incrível em termos de produção da agricultura familiar. Uma agenda dessa
vinculada a um trabalho como o Fundo Amazônia deu um salto muito grande para a
região", comenta.
Na
casa de sementes da comunidade Jacamim, coordenada por Pedro Lopes da Silva, o
desejo é que a movimentação trazida pelos coletores volte. "Eu queria que
o Fundo Amazônia continuasse", diz Pedro, antes de fechar o imóvel.
"Praticamente
o primeiro recurso chega na mão do coletor de semente. E é um recurso bem
distribuído", afirma o coordenador de uma das 12 casas do projeto.
Nádia
Pontes (de Alta Floresta), 20 de abril de 2020.
Deutsche
Welle, Alemanha.
Com
apoio do Rainforest Journalism Fund e Pulitzer Center.
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