Amazônia
Desenvolver a Economia sem Desmatar (DW)
Autor de livro sobre práticas
sustentáveis na Amazônia explica por que associar desenvolvimento econômico ao
desmatamento é uma falácia e indica novos caminhos para gerar riqueza sem
destruir.
Árvores
verdes. Ricardo Abramovay propõe formas de conservar a mata e ao mesmo tempo
gerar crescimento econômico.
Quem defende o desmatamento de áreas
na Amazônia costuma dizer que ele é necessário para levar progresso à região e
desenvolvê-la economicamente. Essa foi uma das teses do regime militar para o
bioma e segue presente em setores do Governo Federal e em parte dos empresários
do agronegócio. Sob essa lógica, manter a floresta reduz a possibilidade de um
país carente, como o Brasil, gerar riqueza.
O conflito entre preservar a floresta
e desenvolver a região, porém, é uma ideia errada e fora de lugar, afirma
Ricardo Abramovay, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade
de São Paulo (USP). Ele lançou em outubro o livro “Amazônia: por uma economia
do conhecimento da natureza”, em que analisa e propõe formas de conservar a
mata e gerar crescimento econômico ao mesmo tempo.
Como desenvolver a região da Amazônia
sem desmatar?
Primeiro, é necessário corrigir os
rumos do que já se faz. Os produtores de soja devem reiterar o compromisso da
Moratória da Soja e respeitar a regra de que não se compra soja de terras
recentemente desmatadas. A pecuária precisa se tornar racional e sustentável.
Hoje, a pecuária na Amazônia é em
grande parte de baixíssima produtividade. E interromper as atividades ilegais
ligadas ao garimpo e à exploração clandestina de madeira. Essas são as
premissas, não adianta sonhar com outra coisa se não conseguimos nem um mínimo
de organização empresarial civilizada em torno daquilo que já existe.
E como ir além disso para gerar mais
riqueza na região?
A verdadeira alternativa é a economia
da floresta em pé, em substituição à economia da destruição da natureza que
predomina hoje. Essa economia do conhecimento da natureza é composta de
elementos que já existem de maneira precária ou que ainda não existem, mas são
potenciais.
Os que existem de maneira precária e
precisam ser desenvolvidos referem-se às cadeias de valor baseadas em produtos
da floresta em pé. O açaí é o exemplo mais emblemático, o rendimento de um
hectare de açaí é muito superior ao de um hectare de soja [R$ 26,8 mil para o
açaí e R$ 2,8 mil para a soja por ano em 2015].
Foto de
Ricardo Abramovay. "A verdadeira alternativa é a economia da floresta em
pé", Ricardo Abramovay.
Há outras cadeias de valor
relativamente existentes, como castanha do Pará, borracha e piscicultura, mas
exploradas em condições muito precárias. A piscicultura de peixes de água doce
em cativeiro na Amazônia tem a vantagem sobre as formas mais conhecidas de
piscicultura em cativeiro, como o salmão. Os peixes da Amazônia criados em água
doce não são carnívoros, logo o impacto ambiental é mais baixo.
Além disso, o turismo ecológico no
mundo cresce 15% ao ano, e na Amazônia ele tem um potencial de crescimento
imenso. E você tem também todo um potencial de moléculas da biodiversidade para
a produção de fármacos. O Brasil vive o paradoxo de ser o país com a maior
diversidade do mundo e ter uma indústria farmacêutica concentrada na produção
de genéricos, pouco voltada a inovações para as principais moléstias do século 21.
É outro potencial para a valorização da floresta em pé que não estamos
aproveitando.
Qual a relação entre desmatamento e
crescimento econômico?
Quando o Brasil se destacou pelo
combate vigoroso ao desmatamento, reduzido em 80% na Amazônia entre 2004 e
2012, ao mesmo tempo a produção agropecuária da região aumentou devido à
tecnologia avançada aplicada nas áreas de produção de soja, sobretudo em Mato
Grosso.
Se o desmatamento avança, quais são
seus protagonistas? Às vezes dizem que quem desmata são os pobres que não têm
alternativa de vida, mas não é assim. Desmatar é caro, exige investimento,
máquinas, contratar trabalhadores. O desmatamento hoje é feito por grupos
organizados, que, diante da mensagem de que a suposta indústria de multas não
vai parar suas atividades, se organizam
na expectativa de terem legalizados direitos que não lhes foram reconhecidos
sobre terras públicas. Essa é uma explicação importante para a explosão do
desmatamento em 2019.
É claro que no desmatamento a
economia cresce de alguma forma, você vende madeira, têm exploração de garimpo,
mas é um crescimento baseado em ilegalidade e muito menor do que quando você
tem condições legais para exercer as atividades econômicas. Um ambiente
institucional que coíba o desmatamento ilegal é um ambiente em que investidores
responsáveis poderão agir.
Que políticas públicas o Estado
brasileiro deve desenvolver para incentivar a economia da floresta em pé?
A primeira é uma sinalização clara de
que haverá fiscalização e que não será tolerada a permanência de atividades
ilegais. É importante mudar a narrativa do governo federal, porque ela forma
uma cultura empresarial. E a narrativa do governo hoje é que, se a Amazônia não
for desmatada, os 25 milhões de pessoas que moram lá vão morrer de fome. Uma
narrativa perniciosa que estimula os atores locais a adotarem as piores
práticas.
Amazônia
brasileira: uma história de destruição. Assistir ao vídeo 02:59.
Também é preciso valorizar o trabalho
feito por organizações não governamentais, que junto com as populações
tradicionais na floresta são os atores dessa economia do conhecimento da
natureza. E apoiar a junção entre comunidade científica, organizações não governamentais
e empresários voltados à exploração sustentável da floresta. Hoje existem
algumas iniciativas fazendo isso, como o Centro de Empreendedorismo da
Amazônia, mas sem qualquer tipo de apoio ou sequer entusiasmo governamental.
E também apoiar o multilateralismo
democrático, destruído por razões ideológicas pelo atual governo. O Fundo
Amazônia era uma das expressões mais emblemáticas da cooperação entre três
países democráticos, Noruega, Alemanha e Brasil, para enfrentar o desmatamento.
Qual é o formato para estimular a
inovação na exploração sustentável da floresta?
Uma proposta, do Carlos Nobre e do
Ismael Nobre, são os laboratórios de inovação da Amazônia, para descentralizar
o processo de inovação e multiplicar as possibilidades de junção entre
conhecimentos tradicionais e científicos vindo da academia e das organizações
que fazem pesquisa. As universidades têm papel importante, mas sozinhas não são
capazes de fazer isso. Existe uma comunidade de pessoas com doutorado em
municípios da Amazônia que podem ser a base para isso.
Agora, o formato exato ainda ninguém
sabe, é por meio da experimentação, que precisa de apoio governamental. Nos
Estados Unidos, quando se tem desafios dessa natureza, a Darpa (agência de pesquisa
do departamento de Defesa) lança editais com desafios para estimular processos
de experimentação. É importante estimular que grupos procurem dar respostas ao
desafio.
Há um embate entre setores do
agronegócio e ambientalistas sobre o grau de desmatamento a ser admitido na
Amazônia: o desmatamento zero versus o desmatamento de até 20% nas áreas
privadas, permitido pelo Código Florestal. Qual é a saída?
A pressão institucional para o
desmatamento zero, não o desmatamento ilegal zero, é imensa. Ela se baseia na
ideia de que os produtores [e consumidores] de soja querem dissociar o produto
de qualquer perigo de desmatamento na Amazônia. E existem condições técnicas de
a produção de soja se expandir no Brasil e no mundo sem desmatar a Amazônia e o
Cerrado.
Autorizar algo na Amazônia que não
seja a economia da floresta em pé pode satisfazer as necessidades de um
produtor individual, mas não os interesses do país e da preservação do
ecossistema. Não há razão para não aderir ao desmatamento zero integral. Mas o
dado importante é que o desmatamento que ocorreu em 2019 não foi o desmatamento
desses 20% [autorizados por lei]: 90% do desmatamento de 2019 foi ilegal.
Como você avalia a postura do
agronegócio brasileiro em relação à Amazônia?
Há um conjunto de empresários
interessados em interromper a devastação na Amazônia, favoráveis ao
desmatamento dos 20% [permitidos], mas apoiam a Moratória da Soja, não apoiam a
invasão de terras públicas. Por outro lado, há um conjunto de atores econômicos
oportunistas incentivando políticas predatórias. A oposição hoje não é bem
agronegócio versus ambientalistas, porque uma parte do agronegócio está junto
com os ambientalistas, mas dentro do próprio agronegócio.
Bruno
Lupion, 15 de abril de 2020.
Deutsche
Welle, Alemanha.
Com
apoio do Rainforest Journalism Fund e Pulitzer Center.
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