Amazônia
O Dilema da Madeira
Especialistas
apontam que 50% da madeira retirada do bioma têm origem ilegal, e grande parte
é destinada ao mercado nacional. Além de impactos ambientais, a exploração
caminha lado a lado com violência.
Caminhão leva madeira retirada da floresta. Parte
da madeira explorada ilegalmente na Amazônia é retirada de áreas protegidas.
A
chacina em que morreram nove trabalhadores rurais no município de Colniza (MT),
em abril de 2017, virou notícia no Brasil e no exterior. Ordenada por um
madeireiro conhecido, a emboscada pretendia expulsar os moradores do local e
abrir caminho para a exploração ilegal de madeira na região.
Meses
depois, um relatório da ONG Greenpeace revelou que as madeireiras do acusado de
ser o mandante do massacre – que mais de dois anos depois do crime continuava
foragido – operavam normalmente, inclusive a Madeireira Cedroarana que
processava madeira para exportação. Apesar da chacina e de indícios anteriores
do envolvimento da empresa na exploração ilegal, nos quatro meses após o crime,
pelo menos 11 carregamentos foram enviados para os Estados Unidos e a Europa. Na
época, entre os seus principais clientes figuravam os EUA, Alemanha, França,
Holanda, Dinamarca e Bélgica.
O
massacre de Colniza é apenas um entre tantos outros casos da violência
enraizados na exploração ilegal de madeira na Amazônia. A dificuldade de
rastreamento da origem desta madeira, que acaba sendo legalizada ao longo de
sua cadeia produtiva por meio de fraudes e falta de controle, impulsiona um
negócio lucrativo e altamente destrutivo.
A
Interpol estima que o comércio de madeira ilegal global movimente entre 51
bilhões e 152 bilhões de dólares por ano, ou seja, entre 208 bilhões e 622
bilhões de reais. Um estudo do Instituto Homem e Meio Ambiente da Amazônia
(Imazon) de 2016 indicou que, entre 2008 e 2015, um volume equivalente a 590
milhões de reais de madeira, levando em conta o valor da árvore em pé na
floresta, foi retirado ilegalmente de Unidades de Conservação na Amazônia.
Mercado
interno é o principal consumidor
Embora
a exportação costume chamar mais atenção, o principal destino da madeira
amazônica é, de longe, o mercado interno, que absorve cerca de 70% da produção.
Entre as espécies mais cobiçadas estão ipê, mogno (ameaçada de extinção),
cedro, jatobá e maçaranduba. Além de móveis, elas são usadas na construção, na
fabricação de embarcações e em pisos.
Infográfico do desmatamento na Amazônia brasileira.
Especialistas
estimam que mais da metade da madeira amazônica comercializada tenha origem
ilegal. Um estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da
Universidade de São Paulo (Esalq/USP), confirmou uma superestimação no volume
de árvores de determinadas espécies em planos de manejos florestais já
licenciados, além de erros na identificação de espécies, o que gera créditos
falsos de movimentação de madeira.
"Há
vários estudos sobre o tema, mas, de maneira geral, todos concluem que mais de
50% da madeira produzida na Amazônia tem origem ilegal", afirma Carolina
Marçal, da campanha para a Amazônia do Greenpeace.
Fraudes
para regularizar madeira ilegal
Fraudes
e falta de controle na documentação impulsionam o "aquecimento" do
produto ilegal. Segundo André Campos, coordenador de pesquisa de cadeias
produtivas da ONG Repórter Brasil, há uma série de maneiras de burlar o sistema
de documentação e controle para legalizar a exploração ilegal.
Entre
as fraudes mais comuns está a aprovação de planos de manejo que não condizem
com a realidade da área, devido, por exemplo, à quantidade errada de árvores
listadas ou ao fato de a área já ter sido completamente desmatada.
Teoricamente, o aval da proposta dependeria de uma avaliação, que nem sempre é
realizada ou envolve a corrupção de agentes públicos.
A
partir deste plano de manejo, os madeireiros recebem créditos florestais
correspondentes para a venda da madeira explorada. Campos relata que nesta
etapa já houve inclusive casos de ação de hackers para adicionar créditos
fictícios a empresas produtoras.
Amazônia brasileira: uma história de destruição. Assistir ao vídeo
02:59.
"O
produto vem acompanhado de uma documentação que, teoricamente, atesta a sua
legalidade, mas, devido a todos esses processos de fraude e falta de controle,
há baixa confiabilidade na comprovação documental. No fundo desse funil, ainda
é difícil saber a real origem desta madeira, pois ela passou por várias mãos
desde a exploração até a venda", explica Campo. "A ilegalidade entra
no mercado legal por conta desta falta de políticas de rastreabilidade",
acrescenta.
Parte
da madeira explorada ilegalmente é retirada de áreas protegidas, como unidades
de conservação e terras indígenas, e costuma vir acompanhada de violência e
morte, como no caso de Colniza. Além de conflitos sociais, essa extração
predatória também tem impactos ambientais.
"Quando
não há um manejo sustentável adequado ocorre a degradação da floresta, que traz
um prejuízo para o equilíbrio daquele ecossistema", diz Marçal.
Problema
para quem respeita a lei
Essa
atividade irregular também prejudica a exploração legal. "Quem está
fazendo tudo certo é quem mais sofre, pois quem age irregularmente acaba
vendendo a madeira mais barata por não ter os custos do manejo. Não tem como o
manejo ficar em pé se houver essa competição desleal", observa Edson Vidal,
especialista em manejo de florestas tropicais da Esalq/USP.
Segundo
os especialistas, os primeiros passos para coibir a exploração ilegal são a
revisão no processo de licenciamento e o monitoramento de toda a cadeia
produtiva até o produto final comercializado. Na primeira fase, Vidal sugere o
estabelecimento de métodos mais eficientes para a verificação de planos de
manejo, por exemplo, com a utilização de tecnologias de imagens. Outra opção
seria o teste de DNA da madeira como uma garantia ao comprador.
Para
que essas mudanças aconteçam, diz Marçal, o mercado e os consumidores têm um
papel fundamental de pressionar o Estado para garantir a aplicação de
procedimentos previstos pela lei e acabar com fraudes que possibilitam o
aquecimento da madeira ao longo de sua cadeia produtiva.
"Cabe
ao mercado exigir garantias de que a madeira não esteja atrelada à exploração
predatória da floresta, à violência e a mortes. O consumidor final deve tentar
comprar um produto que tenha minimamente garantia de procedência. A grande
responsabilidade, porém, continua sendo do Estado", acrescenta Marçal.
O
papel das certificações
Enquanto
esse cenário não muda, Marçal recomenda a certificação como meio de oferecer
garantias sobre a procedência da madeira. Vidal também considera esse modelo
interessante. Os dois pontuam, porém, a pouca quantidade de madeireiras
certificadas na Amazônia e seu baixo impacto num vasto mercado.
Vista aérea mostra toras cortadas ilegalmente
da floresta amazônica em Anapu, Pará.
Segundo
Aline Tristão, diretora executiva do FSC Brasil, das cerca de 2 mil empresas de
manejo florestal legal que operaram na região, apenas 15 são certificadas pela
FSC. "Menos de 1% da Amazônia brasileira está certificada", ressalta.
Por
ser uma adesão voluntária, ela acredita que o rigor e as exigências para
adquirir o certificado possam afastar muitos madeireiros. O FSC, Forest
Stewardship Council, é uma organização independente, não governamental, sem
fins lucrativos, criada para promover o manejo florestal responsável.
Campos,
por sua vez, é crítico das certificações. Além de haver casos de madeireiras
envolvidas em fraudes com produtos certificados, um dos principais problemas
seria a permissão para certificar apenas parte da produção. "Apesar de ser
interessante em diversos aspectos, o selo FSC é usado às vezes para vender uma
imagem que não corresponde ao grosso do que são os negócios de determinadas
empresas."
Tristão
pondera que existem mecanismos de controle para evitar o uso incorreto do selo
e que é possível garantir a separação de produção. Além disso, a diretora
executiva do FSC Brasil ressalta que, se forem comprovadas irregularidades, a
empresa perde a certificação. "O sistema FSC tem uma série de critérios, o
primeiro é atender às leis, não só ambientais, mas também sociais e
trabalhistas, além de acordos internacionais", defende.
Clarissa Neher, 19 de abril de 2020.
Deutsche Welle, Alemanha.
Com apoio do Rainforest Journalism Fund e
Pulitzer Center.
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