Amazônia
Destaque inédito na ciência
internacional (DW)
Recém-criado, o Painel Científico
para a Amazônia compila todo o conhecimento já produzido sobre a maior floresta
tropical do mundo. Ciência busca dar respostas para evitar o avanço da
destruição.
Floresta
queimando, com muita fumaça. Estudo aponta que queimadas influenciam formação
de nuvens e afetam quantidade de chuvas.
Num escritório em São José dos
Campos, interior de São Paulo, o ritmo intenso de reuniões é para apresentar ao
mundo um trabalho pioneiro. Liderados no Brasil pelo climatologista Carlos
Nobre, dezenas de pesquisadores compilam todo o conhecimento científico já
produzido sobre a Floresta Amazônica e propõem caminhos para evitar o seu
desaparecimento.
Andrea Escalada, pesquisadora da
Universidade San Francisco, de Quito, também lidera a força-tarefa, que reúne
cientistas dos nove países amazônicos: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador,
Peru, Venezuela, Guiana, Guiana Francesa e Suriname.
Com cautela, ela explica que há um
senso de emergência entre todos os que se dedicam aos estudos da floresta.
"Não queremos ser alarmistas, mas o que temos visto é muito, mas muito
preocupante", afirma Escalada.
Poucos dias antes desse diálogo,
Nobre e Escalada se espantaram com dados sobre a diminuição de chuvas e aumento
de temperatura na Amazônia prestes a serem publicados. A principal autora do
estudo, Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
confirma a informação à DW Brasil.
O artigo dela vai mostrar que, nos
últimos 40 anos, a temperatura média nos meses de agosto e setembro aumentou
muito na Amazônia. A região do sul do Pará vive a pior situação, com elevação
da temperatura três vezes maior que a média mundial.
A conclusão desse artigo certamente
não passará despercebida pelo grupo internacional liderado por Nobre, chamado
de Painel Científico para a Amazônia (SPA, na sigla em inglês). Com o primeiro
relatório finalizado até dezembro de 2020, o painel quer deixar ainda mais claro
o impacto que a maior floresta tropical do mundo tem sobre o planeta.
"Do ponto de vista do estoque de
carbono, por exemplo, é uma importância enorme. Se 50%, 60% da Amazônia virarem
savana, significa uns 200 bilhões de carbono indo para a atmosfera só da
floresta", ressalta Nobre. Ou seja, o acúmulo de gás dessa fonte, junto
com a queima de combustível fóssil, vai levar o planeta a um aquecimento maior
que o 1,5 ⁰C estipulado no Acordo de Paris.
Sobre o relatório do painel em
andamento, Nobre classifica como capítulo mais desafiador o que trará soluções
que cientistas, economistas e representantes da sociedade civil irão apresentar
para que governos ajam na proteção da floresta. A ideia é que as propostas
visem não só a sustentabilidade ambiental, mas considerem aspectos sociais e
econômicos.
Ciência da floresta
É a primeira vez que uma rede
internacional permanente de cientistas se dedica à Amazônia dessa maneira. A
iniciativa nasceu dentro da Sustainable Development Solutions Network,
ligada à Organização das Nações Unidas.
Descrita por sua exuberância e
biodiversidade há séculos por desbravadores europeus, o conhecimento sobre as
interações da floresta e o clima global é relativamente recente.
O ponto de partida foi em 1983,
quando a primeira torre equipada para fazer investigações foi instalada em
Manaus. Com 60 metros de altura, a estrutura fincada na reserva Adolpho Ducke
media os fluxos de vapor de água da copa das árvores.
Vinham dali os primeiros indícios de
que a Amazônia produzia uma enorme quantidade de vapor d'água que se
transformava em chuva em outras regiões do país. O físico Enéas Salati foi um
dos responsáveis por essa descoberta, que passou a ser conhecida como
"rios voadores".
Foi só em 1998 que um grande projeto
saiu do papel para investigar mais a fundo o funcionamento da Floresta
Amazônica e seus impactos regional e global. O Experimento de Grande Escala da
Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA, na sigla em inglês) reúne mais de 200
instituições brasileiras e internacionais, e instalou novas torres de medições
pelo território.
Nobre foi um dos coordenadores
científicos da empreitada. "Foi difícil convencer os militares a aprovar
esse projeto internacional. Foram dois anos até sair o LBA, que se tornou o
maior experimento numa floresta tropical até hoje realizado", relembra.
Em seus mais de 20 anos de vida, o
LBA trouxe respostas consideradas divisoras de água. "Muito do que a gente
conhece hoje sobre os processos que estão acontecendo na Amazônia foi devido
exclusivamente a esse projeto", afirma Paulo Artaxo, pesquisador da
Universidade de São Paulo (USP), que já presidiu o comitê científico.
Artaxo coordenou estudos que
mostraram como partículas finas suspensas na atmosfera, os aerossóis,
interferem no clima. Uma das conclusões é que uma grande concentração de
aerossóis, como os emitidos durante as queimadas, altera os processos de
formação e desenvolvimento de nuvens mudando a quantidade de chuvas que caem
não só na Amazônia, mas no centro e sudeste do Brasil.
Ponto sem retorno
Com décadas dedicadas à compreensão
da floresta, Nobre foi autor de muitos estudos de impacto. Em 1990, os primeiros
artigos faziam previsões sobre como a alta do desmatamento poderia reduzir as
chuvas e aumentar a temperatura.
Em 2007, com base em modelos
matemáticos rodados em computador, Nobre apontou que, caso 40% da Floresta
Amazônica desaparecessem, a densa mata alcançaria um ponto crítico de
desequilíbrio, ou tipping point, e se transformaria numa savana. Em
2017, essa projeção foi corrigida: em vez de 40%, 20% de destruição seriam
suficientes para a morte da densa Amazônia.
Amazônia
brasileira: uma história de destruição. Assistir ao vídeo 02:59
Quando relembra essa trajetória,
Nobre não se orgulha com a constatação de que as previsões feitas lá trás estão
se confirmando. "Sinceramente, eu não imaginei que, em 2020, a gente já
veria essa virada", comenta sobre o chamado tipping point.
"As medições já estão mostrando
o aumento da estação seca e suas consequências. Estamos vendo o aumento da
mortalidade de árvores típicas da Amazônia e a sobrevivência de árvores
menores, mais resistentes, do cerrado [a savana brasileira]", lamenta.
Junto a essa mudança biológica, os
resultados colhidos por Luciana Gatti aprofundam essa preocupação. A Amazônia,
que sempre retirou com eficiência CO2 da atmosfera, o principal vilão do
aquecimento global, agora libera esse gás estufa.
"Estamos vendo com medidas, com
dados, o que Nobre preconizou há tanto tempo. Infelizmente", afirma Gatti.
"Já vemos redução de quase 25% das chuvas na estação seca na região
sudeste da Amazônia", adianta alguns pontos que serão publicados em breve.
Os impactos não ficam restritos ao
local. "Nós estamos perdendo a Amazônia com a função que ela tem de gerar
chuva, de regular o clima. Quem mais vai perder, num primeiro momento, é o
agronegócio. Por que a chuva vem de lá", comenta.
A pesquisadora ressalta que a ciência
dedicada à floresta já mostra que as chuvas estão diminuindo em áreas-chave de
produção agrícola no país. "Haverá perdas para o agronegócio, os alimentos
ficarão mais caros e também já observamos escassez de água no Sudeste
brasileiro durante as secas na Amazônia, que são os meses de inverno",
finaliza Gatti.
Nádia Pontes, 15 de abril de 2020.
Deutsche Welle, Alemanha.
Com apoio do Rainforest Journalism Fund e
Pulitzer Center.
Nenhum comentário:
Postar um comentário