Amazônia
Uma história de exploração e
destruição (DW)
A preocupação com a preservação ambiental
no Brasil é historicamente pequena perto de décadas de desmatamento quase em
escala industrial. Um quinto da cobertura vegetal original não existe mais.
Área
desmatada no Pará, em imagem de 2014.
Imensa, pouco habitada e distante dos
principais polos econômicos do país, a região amazônica foi alvo de políticas
governamentais variadas desde a época do Brasil Colônia. Inicialmente encarada
como território a ser anexado e de coleta de produtos naturais, depois se
tornou área de povoamento e grandes obras, espaço de natureza rica e povos
nativos a serem preservados e região a ser desmatada para dar lugar à
exploração mineral e ao agronegócio.
A delimitação conhecida como Amazônia
Legal compreende hoje os sete estados da Região Norte, mais Mato Grosso e parte
do Maranhão. São 5,2 milhões de quilômetros quadrados, o equivalente a 60% do
território nacional – se fosse um país, seria o sétimo maior do mundo, maior do
que a União Europeia. É uma região diversa, com variedade de perfis
morfológicos, climáticos e sociais, onde moram 29 milhões de pessoas, ou 14% da
população brasileira.
A preocupação com a preservação ambiental
da Amazônia é recente e se fortaleceu apenas após a Constituição de 1988. O
desmatamento em grande escala, também relativamente novo, ocorreu nos últimos
50 anos. Em 1970, apenas 1% da sua floresta havia sido derrubada e, hoje, cerca
de 18% da cobertura vegetal original não existem mais.
Entenda como a relação do poder
público com a Amazônia evoluiu ao longo do tempo:
Colônia e Império: ampliação do
território
Uma das primeiras iniciativas
governamentais para explorar a região amazônica foi uma expedição em 1637
patrocinada pelo então estado do Maranhão e Grão-Pará, que enviou desbravadores
pela floresta, que chegou ao Equador.
Nessa época, o Tratado de Tordesilhas
ainda dividia o domínio da América entre Portugal e Espanha e deixava a maior
parte da Amazônia para os espanhóis, o que não impediu os portugueses de fazer
seguidas expedições para ampliar suas fronteiras, construir vilas, capturar e
escravizar índios e coletar produtos valiosos da floresta, como castanhas,
fibras e ervas medicinais, as drogas do sertão. Em 1750, um novo tratado entre
Portugal e Espanha redefiniu os limites territoriais e incorporou a Amazônia ao
Brasil.
Infográfico das regiões amazônicas.
Apesar de restrições legais para
escravizar os índios a partir do século 18, na prática muitos deles viviam sob
condições análogas à escravidão, explorados por colonos e pelo governo.
Empreendimentos locais também usavam africanos escravizados, que trabalhavam em
plantações de arroz e cacau, entre outras.
A economia amazônica começou a se
dinamizar a partir de 1870, nos últimos anos do Império, com o ciclo da
borracha. O látex, extraído das seringueiras, se tornou um insumo importante na
indústria mundial. Uma elite local ser organizou em torno da exploração do
produto, e os governos realizaram campanhas para atrair migrantes para
trabalhar nos seringais.
República Velha: o primeiro ciclo da
borracha
A região se enriqueceu bastante com o
ciclo da borracha, pois o látex era então um produto praticamente exclusivo da
Amazônia. Belém e Manaus se tornaram cidades prósperas, houve aumento da
arrecadação de impostos e os governos no início da República patrocinaram novas
iniciativas para atrair mão de obra para trabalhar nos seringais e na
agricultura locais.
Amazônia
brasileira: uma história de destruição. Assistir ao vídeo 02:59.
As condições de trabalho, porém, eram
duras, segundo o historiador César Augusto Queirós, professor da Universidade
Federal do Amazonas. "A vida no seringal era muito complicada, era comum o
uso de trabalho semiescravo e compulsório. Havia uma profunda exploração dos
trabalhadores, afastados dos centros urbanos e distantes das famílias",
afirma.
A partir de 1910, o início da
produção de látex na Malásia derrubou a demanda pelo produto brasileiro, e a
economia gomífera na Amazônia entrou em crise. Migrantes que haviam ido
trabalhar nos seringais se mudaram para as cidades, que não estavam preparadas
para recebê-los, e a região entrou em recessão.
Getúlio Vargas: fôlego da guerra e
pecuária
Ao assumir o país em 1930, Getúlio
estabeleceu como prioridade na Amazônia recuperar a economia extrativista para
criar alternativas a uma região em crise e estabelecer colônias agrícolas para
manter os trabalhadores de seringais no interior em vez de migrarem para as
cidades, segundo Queirós.
Infográfico
da população amazônica.
A virada, no entanto, só chegou com o
início da Segunda Guerra Mundial e o ingresso do Brasil no conflito junto aos
Aliados. A invasão da Malásia pelo Japão bloqueou o acesso da indústria dos
Estados Unidos ao látex asiático, e para suprir a demanda o Brasil se
comprometeu a dobrar sua produção. O governo de Getúlio desenvolveu campanhas
para atrair mais trabalhadores para os seringais, especialmente do Nordeste.
O segundo ciclo da borracha durou
pouco. Com o fim da Segunda Guerra, em 1945, o fornecimento de látex asiático
se normalizou, e a economia da Amazônia voltou a entrar em crise.
Foi durante a gestão de Getúlio que
também se fortaleceu a ocupação de áreas de Mato Grosso para a pecuária extensiva,
em uma época em que ainda não havia preocupação com a preservação do meio
ambiente.
Ditadura militar: o desmatamento em
grande escala
A chegada do regime militar ao poder
resgatou e amplificou a ideia de que seria necessário ocupar a Amazônia para consolidar
o domínio sobre esse território. O governo lançou campanhas para povoar a
região com o intuito de protegê-la de um imaginado risco de invasão
estrangeira. A iniciativa era resumida pelo slogan "Integrar para não
entregar", que servia de justificativa para grandes projetos e degradação
ambiental.
Foi um período marcado por obras de
infraestrutura, exploração mineral, expansão do agronegócio e desprezo pelos
índios. "Os indígenas eram considerados uma população sem perspectiva de
progresso, e foram criadas propagandas para habitar essa região, que o governo
dizia ser sem homens, sem habitantes", diz a historiadora Lilian Moser,
professora da Universidade Federal de Rondônia.
Em 1970, o governo militar lançou o
Programa de Integração Nacional e anunciou obras que serviriam de estímulo para
atrair migrantes, especialmente do Nordeste. Um dos eixos foi a abertura de
rodovias, como a Transamazônica, que ligaria a Paraíba ao sul do Amazonas, e a
BR-174, para conectar Manaus à Venezuela, e a destinação das áreas que margeiam
as estradas a particulares. Também há investimentos em projetos de mineração,
como o Programa Grande Carajás, no sul do Pará, onde a Vale explorou diversos
minérios, como ferro, estanho e bauxita.
As grandes obras tiveram impacto
negativo nos povos indígenas, cujos direitos eram negados pelo regime militar.
"O Maurício Rangel, que era ministro do Interior [de 1974 a 1979], disse
que os povos indígenas não poderiam ser um obstáculo e que dentro de 10 ou 20
anos não haveria mais índios. Ele só não colocou claramente se não haveria mais
índios porque eles seriam 'incorporados' à sociedade capitalista ou se seriam
dizimados", diz Queirós.
A construção da BR-174, por exemplo,
quase extinguiu a etnia Waimiri-Atroari - sua população foi reduzida de 3 mil
em 1972 para 350 em 1983, segundo o relatório da Comissão Nacional da Verdade.
O órgão registrou violações dos direitos de indígenas durante a ditadura, como
retiradas forçadas de terras, massacres, torturas, envenenamentos e contágios
estimulados de doenças, e estima que 8.350 indígenas foram mortos em
decorrência da ação direta ou omissão do regime militar.
Infográfico
dos recursos minerais mais comuns na região amazônica do Brasil.
Nesse período também ocorreu a
expansão do agronegócio no Pará e em Mato Grosso, com incentivo à pecuária
extensiva e políticas fundiárias que beneficiavam grandes proprietários.
"O governo militar foi na direção oposta aos anseios por reforma agrária e
se colocou do lado dos interesses dos grandes agricultores", diz Queirós.
Segundo ele, boa parte das terras
nessa região pertenciam ao estado e foram repassadas a grandes posseiros e
grileiros, que tinham a obrigação de desmatar ao menos 50% da área, com uso
frequente de trabalhadores em condição análoga à escravidão.
Em 1967, foi criada a Zona Franca de
Manaus, com o objetivo de estabelecer indústrias na região, que teve impacto
econômico positivo para a Amazônia, mas sem valorizar as "potencialidades
locais", diz Queirós.
Período democrático: esforço de
preservação e retrocessos
A Constituição de 1988 trouxe
inovações positivas para a preservação da Amazônia. Houve o reconhecimento de
direitos dos povos indígenas e foi acelerado o processo de demarcação de suas
terras. Na mesma época, se firmou no debate mundial a necessidade de preservar
o meio ambiente, expressa na conferência internacional Rio-92.
Em suas gestões, Fernando Henrique
Cardoso homologou 99 terras indígenas na Amazônia, e Luiz Inácio Lula da Silva,
65, atribuindo alto nível de proteção a essas áreas. E novas obras na região
passaram a ter menor impacto ambiental devido às regras de licenciamento
ambiental.
Infográfico
do desmatamento na Amazônia.
A taxa de desmatamento na Amazônia,
porém, seguiu pressionada pela exploração da madeira e o agronegócio e
continuou alta até 2004, quando atingiu 27,7 mil hectares. A partir daquele
ano, políticas conduzidas por Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, que
criaram novas áreas de proteção legal e fortaleceram órgãos de fiscalização,
começaram a dar resultado - o desmatamento caiu de forma sustentada até 2012,
quando alcançou 4,5 mil hectares. Depois houve uma reversão, e o desmate voltou
a subir.
"No final do governo Lula houve
redução de investimentos nos processos de fiscalização na Amazônia, e Marina
Silva saiu do governo fazendo críticas ao que ela identificava como
retrocessos. Havia uma tentativa de se manter uma base no Congresso que desse
governabilidade e a necessidade de dialogar com interesses da bancada
ruralista. Isso continuou e se acentuou no governo Dilma", diz Queirós.
Segundo ele, "não é à toa" que o desmatamento voltou a crescer a
partir de 2012 e se acentuou em 2016, com a chegada de Michel Temer ao poder,
liderando um governo "que claramente se identificava com os
ruralistas".
A reversão da proteção ambiental
atingiu seu auge em 2019, com o governo de Jair Bolsonaro, cuja atuação se
inspira nos princípios que nortearam os projetos da ditadura militar. O
presidente reduziu o poder dos órgãos de fiscalização, fez diversas menções à
exploração de recursos minerais na Amazônia e questionou dados oficiais sobre o
desmatamento. "A história às vezes nos prega essas peças", diz
Queirós.
Para Moser, os discursos de Bolsonaro
têm impacto simbólico negativo na população e podem estabelecer as bases para
mais retrocessos no futuro. "O próprio pequeno produtor começa a concordar
que 'não precisa de tanta mata', que 'o índio não precisa de toda essa terra' e
que 'o que dá dinheiro é a soja'", diz.
Bruno
Lupion, 18 de abril de 2020.
Deutsche Welle, Alemanha.
Com apoio do Rainforest Journalism Fund e
Pulitzer Center.
Nenhum comentário:
Postar um comentário