Amazônia
Gado e Soja no Ciclo do Desmatamento
(DW)
Agricultura e pecuária pressionam a
Amazônia há décadas e são fruto do modelo adotado pelo regime militar para
"desenvolver" a região, que já perdeu uma área de floresta
equivalente a mais de duas Alemanhas.
Gado em
fazenda na Amazônia. Presente na Amazônia desde o século 17, pecuária na região
foi incentivada pelo regime militar.
A Floresta Amazônica passou por
diversas tentativas de colonização ao longo da história do Brasil, mas foi
durante o regime militar que o "desenvolvimento" da Amazônia se
tornou uma prioridade para o governo, sob o lema "integrar para não
entregar". A ocupação do bioma impulsionou o avanço de fronteiras
agrícolas por regiões antigamente cobertas por florestas.
Até a década de 1970, apenas uma área
pouco maior do que a de Portugal, que tem cerca de 92 mil quilômetros
quadrados, havia sido desmatada na região. Com o discurso de expandir e
modernizar, o regime militar impulsionou obras de infraestrutura que se tornaram
responsáveis pela devastação do bioma. A construção de estradas na floresta
abriu caminho tanto para o chamado progresso como para o desmatamento, que,
segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em 2018 já
atingia uma área superior a duas Alemanhas: 783 mil quilômetros quadrados na
Amazônia Legal.
Cinco décadas depois, Sorriso, no
Mato Grosso, se tornou a capital da soja e do agronegócio, e o pasto passou a
ser a cobertura que ocupa 80% da área desmatada desde então.
A expansão agropecuária na região
ocorreu como um efeito dominó, diz o geógrafo Hervé Théry, da Universidade de
São Paulo (USP). O modelo mais comum começa com a abertura da floresta por
madeireiros, que levam árvores de maior valor econômico. Em seguida, chegam os
pecuaristas e pequenos agricultores.
"Os dois grupos são culpados
pelo desmatamento, porém, os grandes têm muito mais meios e fazem mais
estragos. Os pequenos se instalam para produzir alimentos para a família e para
vender. Depois de um tempo, a fertilidade da terra diminui e eles precisam ir
para outro lugar. Geralmente, colocam capim e vendem para os pecuaristas",
explica Théry.
Gráficos
comparam cobertura florestal na Amazônia entre 1985 e 2017.
Os últimos a chegar neste modelo são
os sojicultores, que compram áreas desmatadas utilizadas anteriormente para a
criação de gado. Ao longo dos anos, as fronteiras deste ciclo são pressionadas
cada vez mais para o norte.
Pasto e gado
Um dos primeiros atores neste
processo de expansão sobre a floresta, a pecuária está presente na Amazônia
desde o século 17, quando foi introduzida por ordens religiosas. Apesar de ter
uma presença histórica no bioma, de acordo com a geógrafa Susanna Hecht, do
Instituto Superior de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento, em Genebra,
na Suíça, a pecuária inicialmente era voltada para fornecer alimento e, apenas
após o golpe militar de 1964, passou a ser utilizada para a ocupação de terras.
Em suas políticas de desenvolvimento
da Amazônia, o regime militar ofereceu uma série de incentivos legais e fiscais
para a expansão da atividade econômica no bioma. Grandes empresas também foram
beneficiadas. Um exemplo emblemático foi a fazenda-modelo da montadora alemã
Volkswagen no sul do Pará, denunciada na imprensa internacional pelo
desmatamento causado na região no final da década de 1970.
Devido à necessidade de pouca mão de
obra, à facilidade de implementação e a uma logística mais simples para seu escoamento,
a pecuária se tornou a atividade ideal na política de integração do regime
militar, explica Hecht. "Historicamente, a pecuária assumiu um papel
importante de incorporação de terra, tomando terras públicas e as transformando
em propriedades privadas, além de ser um mecanismo de especulação de
terra", pontua.
Soja
Anos depois, chegou a vez da soja
entrar na Amazônia. Isso só foi possível graças ao avanço de pesquisas
agronômicas no desenvolvimento de sementes e técnicas que possibilitaram o cultivo
do grão em regiões tropicais. A expansão da commodity começou no sul do país e
seguiu avançando para o norte, entrando primeiro no Cerrado e, posteriormente,
no bioma amazônico.
"A demanda contínua na década de
1990 e início dos anos 2000 criou uma dinâmica de desmatamento em que a soja
substituiu os pastos existentes, estimulando novos desmatamentos para a criação
de gado na Amazônia", afirma a cientista política Regine Schönenberg, do
Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade Livre de Berlim.
Amazônia
brasileira: uma história de destruição. Assistir ao vídeo 02:59.
Além do aumento da demanda mundial
pelo grão, melhorias na rede de infraestrutura e, principalmente na BR-163,
conhecida como rodovia da soja, que liga o Mato Grosso a Santarém, no Pará,
impulsionaram a expansão da atividade na região.
Por serem os últimos a chegar neste
ciclo, os produtores de soja argumentam que não contribuem para o desmatamento.
Na opinião do geógrafo Antonio Ioris, da Universidade de Cardiff, essa retórica
é uma falácia devido à sinergia entre os setores.
"Em termos retóricos, pega bem
para o setor de grãos dizer que não desmata. Nessa lógica, eles tentam se
eximir de responsabilidades. Mas, ainda que muitas vezes não seja o sojicultor
que desmata a floresta, o pecuarista desmata sabendo que a terra vai ganhar
valor e que poderá vendê-la para o sojicultor”, explica Ioris.
Nesse ciclo, pesquisadores destacam um
dos principais fatores que contribuem para continuidade deste processo: a
grilagem e posterior legalização destas terras. "Pode demorar um pouco
mais ou um pouco menos, mas no final das contas essa terra acaba sendo
regularizada, e quem está lá ou seus familiares passam a ser os
proprietários", afirma a geógrafa Neli Aparecida de Mello-Théry, da USP.
Clarissa
Neher, 15 de abril de 2020.
Deutsche
Welle, Alemanha.
Com
apoio do Rainforest Journalism Fund e Pulitzer Center.
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